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Rivalidade, memórias e o distanciamento do povo; Mestre Gabi, o ‘Fred Astaire’ do Carnaval

Mestre Gabi. Foto: Rui Mendes

Odirley Isidoro publica mais um texto em sua coluna no portal SRzd.

Natural de São Paulo, nasceu no bairro do Parque Peruche, na Zona Norte da cidade. Poeta, escritor, pesquisador e sambista. Ao longo de sua trajetória, foi ritmista das escolas de samba Unidos do Peruche e Morro da Casa Verde, além de ser um dos fundadores da Acadêmicos de São Paulo.

As publicações são semanais, sempre às terças-feiras, na página principal da editoria do Carnaval de São Paulo. Leia, comente e compartilhe!

Rivalidade, memórias e o distanciamento do povo; Mestre Gabi, o ‘Fred Astaire’ do Carnaval

Nascido em um berço simples e filho de pai operário da construção civil.

Pai que o ensinou a andar com elegância e requinte, independente da ocasião. Aprendeu com ele a ser receptivo com as pessoas e sempre manter um sorriso  no rosto, uma de suas marcas.

Estamos falando de um homem no qual a elegância o vestiu. De olhar sereno e valoroso ele descreve a dança como “um universo de oportunidades”.

De bailado sublime, é da mesma linhagem de grandes nomes como mestre Hudson, da Mocidade Alegre, Manézinho, Jorginho e Delegado da Mangueira.

Tamanha qualificação na arte, lhe deram a alcunha de “Fred Astaire” do Carnaval paulistano. Humilde, autêntico e soberano, o personagem de hoje nesta coluna é o nobre senhor Gabriel Martins ou, para nós sambistas, mestre Gabi.

Mestre Gabi e Odirley Isidoro. Foto: SRzd

Para abrirmos este bate-papo, gostaríamos de saber o começo da sua trajetória neste universo do samba.

Mestre Gabi: Eu comecei a minha trajetória no Carnaval na Faculdade do Samba Barroca da Zona Sul, na época do Pé Rachado, mas a pessoa que me convidou para me tornar mestre-sala foi a Alice, ex-porta-bandeira do Império Serrano. Ela veio para São Paulo com seu esposo e chegou na Barroca neste tempo. Eu apenas participava das atividades dentro da escola, era mais um folião e depois me tornei compositor. Até que a Alice em um momento me disse: Gabi você não quer se tornar um mestre-sala? Eu de prontidão respondi: Dentro de uma escola de samba é o que eu acho mais bonito, mas acho que não. Porém, afirmei que admirava muito o trabalho de um mestre-sala e ela me perguntou quem era. Eu rapidamente respondi; mestre Hudson. Ela não o conhecia. Eu ficava admirado ao vê-lo desfilando na Avenida Tiradentes. Comecei a ensaiar e fui pegando gosto. Ela e o Pé Rachado sempre me davam incentivo, até quem em 1981 eu fui para a Avenida ao lado da Alice, representando o terceiro casal.

Olhando para suas memórias quais os momentos especiais que o senhor recorda?

Mestre Gabi: Eu serei injusto comigo e com outras pessoas, pois são diversos momentos. O primeiro e que eu jamais pensei que fosse acontecer foi exatamente eu me tornar mestre-sala. No dia da apuração eu fui cumprimentar os demais casais e o pessoal da Barroca veio me parabenizar. Eu fiquei sem entender. Foi aí que a Alice me perguntou se eu estava feliz, pois nós é que fomos o casal avaliado. Aconteceu que o Pé Rachado foi até a cabine dos jurados de casais e informou que o primeiro da escola éramos nós. Momento incrível! Resultado; nota dez. Daí em diante em toda minha carreira fui o primeiro mestre sala. Outro momento inesquecível foi em um batizado de escola de samba em Barueri. Fizemos nossa dança e aguardávamos o inicio do batismo quando uma senhora vem em nossa direção e se ajoelha aos nossos pés. Eu pensando que ela estava passando mal fui auxiliar e ela, na verdade, nos reverenciava e mostrava o seu amor ao pavilhão e ao Camisa Verde e Branco. Agora, um momento surreal foi a recepção que a comunidade do Bixiga fez quando fomos congraçar o título ganho conjuntamente em 1993, na quadra do Vai-Vai. Memorável! O pessoal nos aplaudiu e abriu espaço para que pudéssemos bailar sem a rivalidade, apenas pela festa e, na mesma noite, eles foram até o Camisa Verde e os recebemos de braços abertos… Que coisa linda. Finalmente, no desfile “Chico Rei”, da Barroca da Zona Sul, vivi outro grande momento. Eu, junto da Bete, como duas divindades negras e uma fantasia luxuosa. A Avenida olhando para nós com carinho e admiração. Isto não tem preço, em setenta anos de vida, é um presente especial.

Neste cinquentenário dos desfiles oficiais, qual sua visão sobre o estágio atual do Carnaval Paulistano?

Mestre Gabi: Muita coisa se perdeu. Hoje nós estamos tentando resgatar os estandartes, os valorizando e pedindo a colaboração dos dirigentes. Nós, junto do Ednei Mariano, estamos cobrando a valorização destes profissionais. Ele tem o mesmo valor que o casal, independente de trazer nota ou não. A porta-estandarte tem o mesmo peso que a porta-bandeira. Outro ponto; não temos mais evolução. Isso que temos hoje é uma marcha sambada com coreografia sem o folião ser espontâneo, livre. É uma ala de passo marcado com mais glamour. Antigamente tínhamos a ala dos nobres e hoje a influência do passo marcado foi para comissão de frente e as comissões de frente tradicionais se tornaram as Velhas Guardas, fechando os desfiles. No atual momento têm escolas que a pessoa não tem nem vinte e cinco anos no samba e já são Velhas Guardas. Além disso, após a chegada do Joãozinho Trinta em São Paulo, no fim dos anos 80, o Carnaval cresceu principalmente nas fantasias que ele trouxe para a Peruche. Ao chegar no Anhembi se tirou a mobilidade do folião e a leveza, impossibilitando de ter a mesma desenvoltura que na Avenida Tiradentes. A aproximação com o público se perdeu, hoje o Carnaval basicamente não é mais próximo ao seu povo! Agora uma lembrança que me deixa saudades foi a perda dos fundadores das escolas; Dona Sinhá, Thobias e tantos outros nomes que tiveram poucos registros e se foram sem o devido reconhecimento.

Existem diversas personalidades marcantes no Carnaval e o senhor é uma delas junto com a Vivi Martins. Como chegamos na denominação de “Casal Soberano”?

Mestre Gabi: Uma das personalidades marcantes do nosso Carnaval, que hoje está em Santos, é o “Marechal do Samba”, J.Muniz Junior. Foi ele quem deu a ideia ao Eduardo Nascimento e assim nos presentearam.

Gabi e Vivi. Foto: Reprodução

Qual a sensação do seu primeiro desfile após deixar o pavilhão para uma nova geração?

Mestre Gabi: Eu tive a sensação de dever cumprido, eu sempre repito que para chegar aonde eu cheguei eu tive quatro mulheres importantes ao meu lado: Alice, Bete, Vivi e a Magali Thobias, pois se não fosse ela acreditar na Vivi, ela não seria porta-bandeira e eu não teria este capitulo tão bonito em minha vida.

Mestre Gabi encerra deixando uma mensagem final e um alerta geral aos sambistas:

Mestre Gabi: O que eu mais sinto falta é da integração entre os dirigentes, aquele bate-papo de amizade e aquele sentimento de união em prol do melhor para o Carnaval, respeitando o pavilhão de cada um e mantendo as disputas apenas na Avenida. Respeitem as tradições e, aos mais novos, conheçam a história de sua Velha Guarda e de sua escola sem deixar a semente do samba morrer.

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