‘O rei louco’: capítulo 2
Odirley Isidoro publica mais um texto em sua coluna no portal SRzd.
Natural de São Paulo, nasceu no bairro do Parque Peruche, na Zona Norte da cidade. Poeta, escritor, pesquisador e sambista. Ao longo de sua trajetória, foi ritmista das escolas de samba Unidos do Peruche e Morro da Casa Verde, além de ser um dos fundadores da Acadêmicos de São Paulo.
As publicações são semanais, sempre às terças-feiras, na página principal da editoria do Carnaval de São Paulo. Leia, comente e compartilhe!
‘O rei louco’: capítulo 2
“O Waltinho revolucionou não somente o Carnaval, mas também a sua própria vida”
(Moisés da Rocha, radialista)
“… É de Judá, não tem mandinga que vai me pegar é de Judá, é de Judá, uma força oculta incendeia meu cantar…”
(Unidos do Peruche, 1987)
Acordado às três da manhã eu ainda não compreendia o fascínio que as pessoas tiveram com o capítulo anterior…
Eu, ainda extasiado com os agradecimentos, logo pensei:
Quantas doses de loucura nós precisamos beber para entender o outro lado da vida de uma pessoa?
Será que todos nós também não bebericamos de uma dose da sua loucura?
Depois de publicado, eu li o primeiro capítulo e entendi o motivo da definição dada à Walter Guariglio; “O rei Louco”. Talvez, por ele conseguir mexer com a sensibilidade das pessoas. Foi um homem com o coração dividido entre os amores, que geraram filhos, e um pavilhão que tomou conta de sua vida, de sua família e de sua alma. Ao falar com Flávia Cristina sobre seu pai, ela logo abriu o coração:
“Ele era um homem de verdade, de caráter único, semianalfabeto, mas com pós-graduação na vida, um empresário de família humilde que viveu intensamente para dar o melhor de si à todos, ele é o meu herói”, resumiu.
Nessas minha andanças pelos caminhos da vida, certa vez conheci Ju Boscolo. Ela vivenciou a chegada de Waltinho neste universo mágico e complexo da folia: “Ele foi um homem de extremos, ele não tinha medos, e sim atitude para resolver as coisas, por isso foi tão amado, mas também odiado”.
“É primavera em Roma pagã
Surge da colheita da uva
Louvores a Deus Baco
Delírios da loucura sã…”
(Unidos do Peruche, 1990)
Entre sambas-enredos e depoimentos que fui colhendo, refleti muito sobre a personalidade de Guariglio: Será que ele era um herói sem capa ou um menino maluquinho? Aquele, que com a panela na mão, fez a mistura de família e amigos conviverem no mesmo espaço? Ou um herói sem capa, indo para a batalha sem medo, desafiando a todos?
A radialista Gleides Xavier, que o entrevistou logo quando assumiu a presidência da Liga das Escolas de Samba, recorda e destaca sua importância para o Carnaval paulistano:
“Walter Guariglio foi um visionário apaixonado pelo Carnaval e pela vida”. Palavras multiplicadas vindas da voz serena e tranquila do eterno baluarte da escola, seu Carlão do Peruche: “Filho da comunidade, nascido e criado no bairro, que fez muito pela sua família e pela agremiação”. Os depoimentos se reproduzem, vindos de sambistas e familiares. Sua outra filha, Juliana, sempre foi bastante apegada ao pai, e resumiu essa relação:
“Ele sempre foi odiado por muitos e amado por outros. Ele era irreverente e de personalidade forte, um líder em tempo integral. Acredito que puxei isto dele. Para mim, ele foi um pai maravilhoso”.
“Oh Mariana, Oh Mariana
Pra fazer da terra lama
A água que banha, a água que banha”
(Unidos do Peruche, 1985)
Depois dos áureos tempos do restaurante Peruchão e com a escola já vivendo um momento complicado, ele continuou lutando, tentando recolocá-la nos trilhos. Mesmo com a saúde debilitada, persistiu.
Flávia Ferreira, sua companheira, o descreveu como um “ser humano sensacional, marido, pai e amigo indescritível”. Porém um misto de tristeza e saudade bateu ao recordar de Waltinho; “Não sabíamos que seria tão rápida a sua partida”.
E assim, quando um surdo marca o compasso, o mundo se silencia!
Como diria Geraldo Filme: “Silêncio o sambista está dormindo”.
No dia 19 de agosto de 2004 ele cruzou a “linha amarela da vida” rumo à eternidade, deixando filhos, amigos e familiares, cheios de saudade.
Mas sua história não foi em vão, nem esquecida. Quatorze anos depois de sua partida, estamos aqui, reverenciando seu legado. Com a sensação de dever cumprido, finalizo este documento com uma saudação:
“Atôtô Obaluaê, Atôtô Obaluaê”
“Silêncio para o grande rei da terra”
E para fechar, mais fotos de Waltinho em diferentes momentos de sua trajetória no samba paulistano, gentilmente cedidas por sua família e amigos:
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