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O dia que São Paulo recebeu a ‘Corte Imperial’

Desfile do Império Serrano de 1968. Foto: Reprodução.

Odirley Isidoro publica mais um texto em sua coluna no portal SRzd.

Natural de São Paulo, nasceu no bairro do Parque Peruche, na Zona Norte da cidade. Poeta, escritor, pesquisador e sambista. Ao longo de sua trajetória, foi ritmista das escolas de samba Unidos do Peruche e Morro da Casa Verde, além de ser um dos fundadores da Acadêmicos de São Paulo.

As publicações são semanais, sempre às terças-feiras, na página principal da editoria do Carnaval de São Paulo. Leia, comente e compartilhe!

O dia que São Paulo recebeu a ‘Corte Imperial’

Já dizia um velho samba de Wilson das Neves; “O dia em que o morro descer e não for Carnaval…”.

Eu estava sentado na mesa de um bar, saboreando um bom Vermute e fumando meu Luck Strike junto dos meus amigos Tinhorão e Nair. Logo lembramos com saudade do dia em que São Paulo recebeu a “Corte Imperial”.

Era 1968 eu trabalhava de almoxarife na Companhia Paulista das Estradas de Ferro de São Paulo e costumava sair da antiga Estação da Luz e me misturar entre os mascastes, cortesãs e malandros da Rua Brigadeiro Galvão e adjacências.

Lá pras bandas da Avenida Senador Queiróz, eu costumava encontrar com os sapateiros e “malacos” do samba.

Saboreávamos uma boa rodada de salaminho com limão, falando sobre a vida, tudo sempre regado ao bom e velho samba de roda e cerveja.

Moraes Sarmento, muitas vezes, no final da noite, costumava passar por lá e até Noite Ilustrada já tinha cantado as suas canções, claro, que só acreditávamos porque o dono do bar guardava na parede uma foto do sambista ao lado dele.

Naquele tempo, a cidade tinha um ar charmoso com suas luminárias amareladas e aquele aroma de café que nos fazia mergulhar sobre na noitada e ajudava os motorneiros dos bondes a ficarem despertos.

Naquela noite, Nair chega as pressas ao bar, comentando com todos que ia ser inaugurado um tal shopping center na Lapa, bairro operário e de pouco lazer na época, e que teria muita festa e samba por lá, claro que fizemos muita galhofa com ele, pois esse negócio de shopping center era coisa de fina estampa, lá do Iguatemi!

Não valeria a pena construir isso para o povo humilde e de baixa renda da Lapa. Para nós, shopping de baixa renda era o Mercadão Municipal, que tinha de carne seca até o bom doce de mocotó para adoçar a vida.

Mas Nair insistia tanto conosco que tirou do bolso um papel todo ralhado no qual falava que o então prefeito Faria Lima ia inaugurar o tal empreendimento e que teríamos uma escola de samba carioca para os festejos com muitos fogos, balões e banda para animar a festa.

Logo paramos de aporrinhar o Nair e combinamos com o Tinhorão e com Zé das Marmitas, ou melhor dizendo, Geraldo Filme que chamou outro grande amigo nosso, o Zeca da Casa Verde, para chegarmos nessa tal inauguração.

A campeã daquele ano foi a Mangueira e apesar do Rio de Janeiro ter grandes escolas, qualquer uma que viesse estava de bom grado, se tratando de um festejo fora de época. Nós já pensávamos mais na Ceia de Natal do que em Carnaval.

Tudo que pudesse acontecer naquele fim de ano já nos impressionava, os bondes já não existiam mais, os trólebus tomavam seu lugar, o Carnaval tinha se oficializado, os cordões já começavam a ter seus últimos suspiros e dias antes ainda estávamos tentando entender o show de Míriam Makeba na TV Record cantando Pata Pata e a visita da Rainha Elizabeth II e Yuri Gagarin a cidade.

Logo chegou o grande dia e encostamos em um boteco na Rua Guaicurus e observávamos a movimentação dos populares. Rapidamente uma correria danada e um enxame de jornalistas e fotógrafos se apinhavam para ver; era a comitiva de Faria Lima e os empresários chegando para cortar a tal fita.

A criançada animada com muitos balões coloridos e fogos pintando o céu de alegria, a banda tocava marchinhas para animar aquela multidão que não acreditava em tudo aquilo que estava acontecendo. Enquanto prestávamos atenção no zum zum das ruas, o Geraldão e o Zeca batiam um papo com um jovem de camisa verde e listras brancas e um belo chapéu, todo bem trajado e com voz de cantor.

Ele nos cumprimentou e pediu licença, pois tinha um compromisso; nós o saudamos e logo ele sumira diante do mundaréu de gente.

No final da Rua Catão se ouve ao longe um surdo marcando forte, logo pratos e outros instrumentos ganham força como se fosse uma sinfônica e rapidamente belas e luxuosas fantasias mudam o cenário, cerca de 30 baianas transformam aquela pacata rua em uma Avenida São João, mulheres maravilhosas sambavam ao lado dos malabaristas e uma corte de respeito transforma aquele acinzentado dia, graças aos fogos de artifício em um mar verde e branco.

Até que surge no horizonte o belo pavilhão empunhado por Nely e seu mestre-sala Noel Canelinha, eis que surge em terras paulistanas o Império Serrano.

Nair, que já tinha perambulado entre festeiros, aponta para o palanque onde se encontrava o time de cantores e pastoras da escola, ao longe se via Jorge Goulart, Silas de Andrade, Silas de Oliveira, Mano Décio, o jovem Roberto Ribeiro e tantos outros sambistas de alta patente carioca.

Ninguém imaginava que as ruas da Lapa se tornariam um arrastão de gente e logo quando Silas de Andrade começa a cantar Aquarela do Brasil em pleno pulmões a multidão cantarolava e aplaudia aquele momento .

E assim fora com outros sambas históricos da escola, os trens chegavam na estação e saiam vazios aos seus destinos pois todo mundo queria ver a algazarra que estava acontecendo e de improviso foi se montando um novo palco no final da rua Doze de Outubro para que o cortejo pudesse se estender e todos pudessem participar da festa, logo fomos para o meio da multidão.

Eram flashes e sorrisos entre tanta folia, até que ao cair da noite terminava aquele momento surreal e vimos a saudação da família Imperial à população. Ao olhar para o Geraldão, Zeca, Tinhorão e Nair e ver as lágrimas em seus olhos, tamanha era a emoção, eu tinha a certeza que recordar todo aquele momento mostrava que o sentimento ia muito além do que hoje chamamos de Carnaval.

Agora sentado aqui, já com meus cabelos brancos, posso me sentir feliz em saber que estava presente neste dia 24 de novembro de 1968 em um momento de tanta beleza, mudanças e transformações, e mesmo assim São Paulo se rendeu à elegância e beleza da “Corte Imperial”.

*Texto em homenagem aos “Meninos de 47” e todos os imperianos. Siga-me em minhas redes sociais no Facebook e noInstagram: @oisidoroofc. Até a próxima semana!

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