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‘Parâmetro e seriedade’; o Candomblé nas escolas de samba

O Candomblé nas escolas de samba. Foto: Reprodução

A jornalista Aurora Seles traz mais um texto para os leitores do SRzd.

A coluna é publicada semanalmente, às terças-feiras, na página principal da editoria do Carnaval de São Paulo. Leia, comente e compartilhe!

O Candomblé nas escolas de samba

Em uma nação laica, igual ao Brasil, são inúmeras as religiões e, especialmente, no Carnaval, o Candomblé é predominante.

Antes da abolição da escravatura, o Candomblé já existia, mas tinha outro nome: batuque de negros, também chamado de batuque de roda ou roda de capoeira. Oriundas da África, as religiões habituais eram praticadas nas senzalas, ou, em lugares afastados no meio da mata. Em território nacional a história dessa religião é dividida conforme a distribuição dos escravizados pelos Estados.

Segundo algumas publicações, a primeira casa de Candomblé Bantu foi em Salvador, chamada de Raiz do Tumbensi – uma casa de Angola considerada como a mais antiga da Bahia, fundada por Roberto Barros Reis, (Tata Kimbanda Kinunga sua dijína) por volta de 1850. Com as batidas policiais nos terreiros e a perseguição e prisão dos adeptos e objetos de culto, algumas Iyalorixás (significado de mãe, em yorubá – idioma nígero-congolês. Ao longo do texto haverá outras traduções) resolveram migrar para outras cidades, em busca de tranquilidade para cultuar os Orixás.

Com o intuito de entender um pouco mais do assunto e sua influência nas escolas de samba, ouvi o Babalorixá Luisinho de Logun Edé – pai de santo há mais de 40 anos. Nascido em Castro Alves-BA, cidade de sua mãe biológica, e neto de uma africana. Veio para São Paulo com dois anos, terra onde foi iniciado, por volta de 1977, em um ilê (casa) construído com muito esforço por outro Babalorixá. Localizado na Zona Sul, no bairro Sete Lagos, a casa recebeu o nome de Ilê Uwaye Ketu Omorodé Lagos, ou Axé Lagos, para referenciar a trajetória de todos os Orixás. Desde que passou a ser responsável pelo local, Babá Luisinho (como é carinhosamente chamado) já iniciou muitos adeptos e yaos (filhos).

Primeiramente, ele destaca o imediatismo, com apreensão: “Hoje, as pessoas pesquisam e têm resultados na internet. Para o Candomblé tradicional – principalmente aos mais antigos – busca-se orientações na fé, nas palavras em yorubá. Mantivemos a doutrina e recebemos as respostas dos Orixás. São informações secretas e individuais, obtidas pela fé”. Para ele, essa trajetória é a mais importante. O Orixá existe e está presente na forma da natureza: árvores, folhas, águas, pedras.

Sobre os enredos africanos, onde são mencionados muitos Orixás nas escolas de samba, Babá Luisinho sempre fica feliz. E comenta que o assunto poderia ser trazido em todos os Carnavais. Mas, ressalta a necessidade do cuidado, e da permissão das casas matrizes, para falar do assunto. “Os orixás não estão ligados diretamente ao Carnaval, mas dentro do folclore, isso faz parte. O samba de roda nasceu quando os negros, após os afazeres, reuniam-se e batiam seus tambores e faziam seus sambas. Exemplo, a casa de Mãe Ciata*. Por isso, tudo tem de ter parâmetro e seriedade”, ensina.

Exemplifica quando, para pular o Carnaval, a pessoa usa uma fantasia que representa um Orixá. Precisa saber quem foi, afinal, Orixá foi – e é – vida. E recorda o desfile da escola de samba carioca, Mangueira, em 2016, com um tema que, para ele, era maravilhoso e mereceu o título. A porta-bandeira vestida de oyá (Iansã, orixá dos ventos e tempestades), e no carro abre-alas uma Iansã, para reverenciar o Orixá da cantora Maria Bethânia – a homenageada. Ali ficou evidenciado o estudo. Houve uma pesquisa bem feita. “Eparrey oyá” (cumprimento, com admiração) à Mangueira e que a escola sempre tenha bons ventos”, enfatiza Babá Luisinho.

Nesse instante, há um pássaro muito próximo de nossa conversa. O canto ecoa pelos ares. O entrevistado observa e sorri, afinal, ele é filho de Logun Edé (Orixá da riqueza e da fartura, algumas vezes acompanhado de pássaros). Continua nossa conversa e ele conta que tudo o que aprendeu foi por amor, com os mais velhos. Adupé (agradece)! E frisa a importância do agô ilê (licença para entrar em alguma casa). Cantarola. Ajô (festa), ibé (família, sociedade), tudo no idioma yorubá. No Brasil existem cursos, mas foram ajustados à gramática nacional. A linguagem tradicional é bem diferente, oriunda da África. Os afro-brasileiros adaptaram para o Brasil.

“Na busca de Olonan (senhor dos caminhos), layô (alegria), odara (bonito)”. A conquista desse caminho bonito, e de alegria, ocorreu desde quando ele era um yao. “Aqui cada pedaço de chão é uma África, porque foi aberta uma casa para Ogum, outra para Oxóssi e todos os Orixás estão em comunhão. Só é possível sentar-se em uma cadeira de sacerdote ou receber um título, com a aprovação do pai ou mãe de santo”, recorda.

Ainda há um olhar preconceituoso para as casas de santo. Babá Luisinho observa o combate à intolerância religiosa e lamenta a pouca divulgação na imprensa, além do olhar racista, mesmo que haja misturas de etnias. No Candomblé há coisas lindas e abrange todos os perfis.

Comento que o Candomblé é tido como uma das religiões mais caras. Ele informa que é possível tocar um ilê, puxando uma lona na areia. Não exige-se o luxo, mas cada casa tem o seu cuidado, o seu capricho. Indaga: Qual é o luxo no Brasil? E responde que é a ordem. Salienta que os Orixás são lindos e ninguém jamais os convidaria a entrar em um rio sujo. A mesma coisa é sua casa e, em cada canto tem a energia dos Orixás. Lembra das igrejas católicas que têm mármores e ouro. Pergunta: Os santos precisam de ouro? Essa preciosidade representa a fortaleza. O ouro reluz. Basta observar os grandes capitães, os bacharéis e os cantores com objetos de ouro. Tudo para fortalecer. E finaliza: “Não pode ficar de pé, quem nunca se abaixou ao Orixá. E quem se abaixa, pode ficar em pé para ensinar. Por isso, sempre me abaixo aos pés do Orixá para buscar o que ele tem para me dar”.

*Uma cozinheira e mãe de santo brasileira, considerada por muitos como uma das figuras influentes para o surgimento do samba carioca. Também ficou marcada como uma das principais animadoras da cultura negra nas nascentes favelas cariocas. Em sua casa, onde os sambistas se reuniam, foi criado o primeiro samba gravado em disco – Pelo Telefone -, composto por Donga e Mauro de Almeida).

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