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Mestre Jamelão; seu coração também era um pouco paulistano

Jamelão. Foto: Reprodução da TV

Odirley Isidoro publica mais um texto em sua coluna no portal SRzd.

Natural de São Paulo, nasceu no bairro do Parque Peruche, na Zona Norte da cidade. Poeta, escritor, pesquisador e sambista. Ao longo de sua trajetória, foi ritmista das escolas de samba Unidos do Peruche e Morro da Casa Verde, além de ser um dos fundadores da Acadêmicos de São Paulo.

As publicações são semanais, sempre às terças-feiras, na página principal da editoria do Carnaval de São Paulo. Leia, comente e compartilhe!

Mestre Jamelão; seu coração também era um pouco paulistano

“… De terno branco e chapéu de palha vou me apresentar….”
Tom Jobim, “Piano na Mangueira”

Ai que bom seria se ao fecharmos os olhos entre as travessas da Presidente Vargas, as vigas de concreto da Sapucaí, os postes da Avenida Tiradentes e as marquises do Anhembi pudéssemos ouvir um pouco de sua voz, como se ela tivesse ficado presa, encalacrada entre o tempo e o espaço.

E como faz falta nestes espaços o seu jeito de ser e este som!

Perdido na tranquilidade de seu olhar sereno e suas “liguinhas” entre as mãos observando, transitando entre as cabrochas, os foliões e as crianças, seja com a firmeza dos pés ou com o apoio de sua bengala, e o inseparável chapéu, ele fez da passarela sua vida e do samba sua história.

De “Saruê” ao apelido de Jamelão devido ao seu tom de pele, o fruto homônimo é conhecido entre os Indianos como: “O fruto dos Deuses”. Fruto este que tornou-se a sua marca para o universo.

Quis o destino assim lhe eternizar entre os maiores, ou o maior intérprete que em nosso Carnaval existiu.

Nascido José Bispo Clementino dos Santos fez com excelência sua voz romper barreiras. Seu talento era reconhecido. Não existia como a música abandonar suas veias, pois era o que alimentava sua alma.

Fez um mar verde e rosa para inundar o seu coração e, assim como o amigo Cartola, fez do samba a obra-prima. Fez da raiz de uma Mangueira sua morada para expor suas belas poesias, como a escrita junto dos sambistas Alfredo Português e Nélson Sargento:

“Oh Primavera adorada
Inspiradora de amores
Oh Primavera Idolatrada
Sublime estação das flores”
Mangueira, “As quatro estações do ano, cântico da natureza”

O destino quis lhe presentear, aos 75 anos, a vislumbrar um novo horizonte.

Junto dos amigos Laíla e Walter Guariglio, a “Terra da Garoa” se curvou e se rendeu ao seu talento. Já não era mais um menino, e sim um senhor do seu tempo.

Todos nós que observávamos atônitos o seu cantar, não tínhamos noção de tamanha janela para o futuro que deixara aberta.

Em 13 de fevereiro de 1988 o universo nos brindou com uma chuva de lavar a alma. E que alma você deixou em nosso solo. Seja ao lado da maravilhosa Eliana de Lima, ou como intérprete oficial, transformou tudo aquilo em um momento abismal. Como se fosse extensão de seu quintal.

Ah, mestre, se até o piano subiu a Mangueira, mesmo sem a música levantar poeira, porque o som de sua nota por aqui não ressoaria?

Assim cravejou seu nome entre os maiores nos corações perucheanos e dos apaixonados por Carnaval. Dividiu atenções entre o luxo de Joãozinho Trinta, a organização de Laíla e as batidas de mestre Luizinho.

Quem nunca ouviu 1989 jamais entenderá o tamanho do que fora aquilo para o Carnaval.

Ah “Divinos Orixás”, porque o tempo não volta atrás? “… senti um bom fluído me envolvendo…”.

Graças as suas raízes em São Cristóvão e Engenho Novo vimos nos olhos do povo a alegria e o sorriso novamente. A esperança que faltara em certas horas, naquele momento voltou a invadir rapidamente as ruelas do bairro, tomando de alegria o Parque Peruche, esperando ansiosos os ensaios da Rua Zilda e aquele mundaréu de gente abrasar a escola. Obrigado!

A simplicidade como as canções de Ary Barroso, Francisco Alves, Orlando Silva e tantos outros seresteiros que moldaram sua carreira, era facilmente vista no rosto de cada folião em seus calorosos ensaios aos domingos, como se cada tecla deste piano tocado na Mangueira ressoasse na quadra da Peruche.

Em 1994 a chuva nos castigou, mas tua voz não faltou. Em 1998, aos 85 anos, você voltou e como um “Almirante Negro” de João Bosco, nos conduziu mar adentro. E neste mar que você navegou, várias portas abriu para que tantos nomes viessem do Rio para navegar por aqui.

Sem despedidas, sem honrarias, sem um digno até logo. Assim, de São Paulo você se foi. Porém, uma certeza ficou:

Jamelão nunca deixou o seu amor pela Mangueira, mas acreditamos que numa finita parcela do seu imenso coração existia um pedaço de São Paulo, do Carnaval Paulistano e da Unidos do Peruche.

No dia 14 de junho de 2008, os surdos de primeira e até os contra surdos do mundo inteiro silenciaram-se prestando a última homenagem ao mestre.

Como disse, se fecharmos os olhos entres as passarelas, seja do Rio de Janeiro ou de São Paulo, ainda poderemos encontrar a sua voz…

Pois vozes não se calam, se eternizam!

E nos Morros Cariocas ou ruas do Parque Peruche, tocam o mesmo piano que se ouve em Mangueira!

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Até a próxima semana!

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