Conheça a Rainha Trans de uma das mais tradicionais escolas de samba do país

Camila Prins. Foto: Acervo pessoal

Embora reconhecidamente um território de integração entre os diferentes, independente de origens, crenças, ideologias ou classes sociais, o universo das escolas de samba também tem seus paradigmas.

Um deles está na delimitação bem clara na participação dos gêneros nos diversos segmentos.

Homens aqui, mulheres ali.

Numa rápida avaliação, as respostas vêm em forma de números comparativos; Quantas mulheres presidem uma escola de samba? Quantas carnavalescas? Quantas ritmistas? Quantas mestres de baterias? Enfim, mesmo com algum avanço ao longo das últimas décadas, persiste a divisão clara na ocupação dos espaços. Mas se há alguns absolutamente masculinos, também há outros predominantemente femininos. Um deles, é a Corte das baterias das escolas de samba, formada por musas, princesas e rainhas.

Porém, 2018 reserva um novo capítulo nessa polêmica envolvendo gêneros no samba. Capítulo protagonizado por Camila Prins.

Batizado Tassiano Pereira de Moraes, filho de uma mineira, Milza Pereira de Moraes, com um rapaz paulista, Gilberto Carlos de Moraes, Camila Prins mostrava-se diferente de seus irmãos. Com poucos anos de vida tinha convicção de estar em um corpo errado. Via no espelho uma forma inversa de sua alma.

Por volta dos cinco anos de idade Camila já não queria aceitar a realidade de ter de se vestir como menino e a se comportar como tal. Algo em seu interior estava distante da sua real identidade. Na escola o comportamento era diferente dos demais garotos.

E esse comportamento definido “afeminado”, chamava a atenção de familiares e de pessoas próximas, sobretudo o pai. Assim, sua infância foi marcada por grandes dificuldades. Em sua mãe encontrou o respaldo e a força para enfrentar os preconceitos.

Aos doze anos iniciou sua transexualização e pela primeira vez vestiu-se de mulher, durante o Carnaval da cidade de Porto Ferreira, no interior do Estado de São Paulo. A longa jornada de desafios e a realização de um sonho; ser rainha de bateria, foram temas da entrevista concedida por Camila ao portal SRzd.

Em 2018 estará a frente dos ritmistas da tradicional bateria “Furiosa”, da Mocidade Camisa Verde e Branco. Experiente foliã, já defendeu as cores da Acadêmicos do Tucuruvi, X-9 Paulistana, Águia de Ouro, Tom Maior, Unidos do Peruche, Unidos do Vila Maria, Vai-Vai, Nenê de Vila Matilde, Perola Negra e Leandro de Itaquera, onde desfilou como destaque de chão e de alegoria. Preconceito combatido com coragem, quebrando mais um paradigma no Carnaval de São Paulo. Leia a entrevista na íntegra:

‘Esse título é a consagração e dedico à comunidade LGBT’

“Para mim é um grande prazer ser coroada como rainha trans da bateria da minha querida escola do coração, Camisa Verde e Branco. Tenho uma relação de amor com a escola desde o ano 2000. Sempre amei o Carnaval, desde pequena, em Porto Ferreira, minha cidade natal no interior de São Paulo. Quando criança passava boa parte do ano confeccionando fantasias para brincar nas matinês dos clubes da cidade aonde me realizava nos quatro dias de folia.

Depois de alguns anos já trabalhando fora do Brasil, dançando e me apresentando em vários países da Europa, recebi o convite do saudoso carnavalesco Tito Arantes para desfilar na Camisa Verde como destaque. Desde então nunca mais deixei de desfilar. Hoje, receber esse título é uma consagração e ele eu dedico para toda a classe LGBT. O Carnaval é composto por cabeleireiros, maquiadores, figurinistas, aderecistas, costureiros e, geralmente, essas pessoas quase não são notadas. É para elas que dedico essa conquista”.

‘Não vou negar que tive receio’

“Sempre tive uma ótima relação com a minha comunidade e quando me foi feito o convite pela diretora de Carnaval Magali dos Santos eu confesso que fiquei até sem chão. A primeira coisa que fiz foi falar com meu assessor, Diego Toledo Hair, que, confesso, está sendo um forte alicerce para mim.

Não vou negar que tive receio com a aceitação das pessoas, mas o meu amor pelo Camisa e a vontade de realizar esse sonho me motivaram a continuar e me fazer sentir realizada.

De início foi um boom! Para todos. Mas como o passar dos dias e tudo ficou muito tranquilo, recebi muitos elogios, até mesmo do nosso mestre de bateria, fato que me deixou mais tranquila. Além de toda a comunidade, abraçando a causa com muito carinho e respeito, principalmente”.

‘Viver sem medo de ser feliz’

“Vivemos um momento onde tudo está sendo muito censurado e, por outro lado, também muito explícito. Para exigirmos respeito devemos fazer o mesmo.

Temos que ter ousadia e ser diferentes, mas o principal é viver sem medo de ser feliz! Já passei por muitas nessa vida e o que trago comigo é amar o próximo como a si mesmo. E é isso que faço. Aprendi a deixar muitas coisas que ouço de lado. Há 14 anos moro em Genebra, na Suíça, aqui tenho minha família. Sou empresária e casada. Mas mesmo com todas as dificuldades que o nosso país enfrenta, ainda sim, acho que lugar melhor não há.

Quero deixar meu muito obrigado pelo carinho de todos vocês do SRzd. Tenho certeza que nosso Camisa fará um Carnaval para buscar a vitória, toda diretoria e componentes estão engajados e trabalhando muito praa isso. E para eles agradeço o carinho e o título que me foi concedido.Vamos à luta comunidade da Barra Funda”.

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