As três faces de Tiganá, o ‘sorriso negro’ do Carnaval brasileiro

Tiganá. Foto: Luciana Nogueira

Preparando-se para mais um desfile defendendo a Mocidade Camisa Verde e Branco, Alessandro Jorge Theófilo de Souza, o Tiganá, revelou, em entrevista especial ao SRzd, muito mais que sua habilidade e talento para cantar sambas de enredo. Como sempre, e bem ao seu estilo, numa conversa regada de energia e alegria, estampadas no seu inconfundível ‘sorriso negro’

Nascido em 1982, o carioca de Nova Iguaçu contou seus planos, muito além das fronteiras do Carnaval, dos projetos profissionais, de sua história, e confessou o maior sonho neste momento: ser campeão pelo ‘Trevo’ da Barra Funda, agremiação que aprendeu a amar

Uma foto ousada em seu perfil no whatsapp foi o gatilho para despertar a curiosidade do jornalista em busca do novo entrevistado, sempre querendo mostrar o que o grande público não sabe. Hoje em dia, pouca coisa, com tanta informação circulando nesse turbilhão chamado rede social, repleta de ‘comunicadores’

Ao contar a origem da foto em questão, revelou-se uma múltipla personalidade, de alguém reconhecido no universo do Carnaval, mas que pensa, se projeta e exercita na prática outras habilidades. A primeira, essa da tal foto; a de modelo. As lentes, sob o comando de sua esposa, Luciana Nogueira. Eis a foto:

“Nasci em Nova Iguaçu, onde fui criado até os 26 anos. Comecei a gostar de música desde a barriga da minha mãe. Ela sempre me levou ao teatro, shows e também para o Carnaval. Havia uma escola de bairro na minha cidade, a Unidos do Bandeirantes, onde comecei a tocar na bateria. Depois fui para a bateria da Leão de Nova Iguaçu. Paralelamente comecei a cantar em grupos de pagode.

Fui convidado para gravar um samba concorrente para a Leão de Nova Iguaçu, no Carnaval de 2004. O samba foi escolhido e, em seguida, o Pixulé, que era o intérprete oficial da escola, me convidou para participar do carro de som.

Após o desfile, o Pixulé se transferiu para a Inocentes de Belford Roxo e então assumi o posto de cantor oficial da ‘Leão’. E estou até hoje aprendendo a cantar, graças à Deus”.

Depois de inúmeras experiências no Carnaval carioca, Tiganá desembarcou em Sampa

Era um desejo seu

A estreia foi por uma das mais tradicionais escolas de samba do Brasil; a Camisa Verde. Lá, ficou por duas temporadas. O carisma, logo de cara conquistou o público. Os dois desfiles na verde e branca, lhe renderam convite para substituir Igor Sorriso na Mocidade Alegre

Ensaio Técnico Mocidade Alegre 17/2. Foto: SRzd - Alexandre Pinotti

“Sempre tive vontade de participar do Carnaval de São Paulo, desde quando assistia pele televisão. Eu achava muito diferente as largadas das escolas paulistanas, por serem mais longas, eu não entendia porque o intérprete fazia tanta coisa, tanto grito e a escola ainda parada.

No Rio de Janeiro é rápido: passou o som, cantar o samba de esquenta e tem que ir para Avenida. Já em São Paulo, pode fazer várias coisas. Eu coloquei na cabeça que um dia ia participar.

Foi quando o Camisa Verde e Branco me abriu as portas para o Carnaval de São Paulo, em 2015. E pude ver de perto como funcionava. Hoje tenho noção da diferença entre São Paulo e Rio de Janeiro.

Acredito eu, que o Carnaval de São Paulo te dá mais valor. Com dois anos de Grupo de Acesso, no meu terceiro ano, já fui convidado para o cantar no Especial.

No Rio, para cantar no Grupo Especial você tem que ‘ralar’ muito. E sempre tem alguém para te botar uma ‘pedra’  no caminho. Então, acho o Rio muito mais difícil que São Paulo. São Paulo te dá muito mais oportunidade e, financeiramente, cumprem mais com a palavra, no Rio, já é mais complicado a parte financeira também”.

Não é aquilo de; ‘sou cantor, cozinho bem e tiro algumas fotos’. Não!

Ele realmente leva as três coisas com seriedade e todas elas, de alguma forma, fazem parte do seu cotidiano. E principalmente, do futuro

“A gastronomia surgiu por conta da minha mãe, que sempre trabalhou como cozinheira profissional. E ela trabalhava fora, meu pai trabalhava fora, e eu ficava cuidando da minha irmã. Como minha mãe trabalhava em casa de família e as vezes só voltava aos finais de semana, eu tinha que fazer comida, e aos finais de semana eu ficava colado nela para apreender.

Depois que saí de casa, resolvi fazer faculdade de gastronomia e consegui me formar. Faço algumas coisas, tenho meu delivery de saladas, agora vou voltar para marmitas prontas (congeladas), estou montando os cardápios para que eu possa começar a vender. Muita gente não tempo de fazer comida, porque chega tarde em casa e não come porque não tem tempo. Então vou agregar isso”.

“Minha esposa começou um curso de fotografia e precisava de um ‘cobaia’, e deu certo. Se alguém convidar para fazer fotos, acharem interessante fazer um ensaio de um chef de cozinha cantor, a gente está dentro pra fazer! Eu canto, cozinho e tiro foto. Eu costumo dizer; se um dia perder a mão, eu tenho a voz. E se um dia perder a voz, eu tenho a mão”.

Carioca, Tiganá olha com perplexidade a atual situação do Estado do Rio de Janeiro e que também se reproduz, em parte, nas demais regiões do país

“Acredito que a politicagem no Rio de Janeiro é difícil. Parte da culpa é justamente dos políticos deixarem as pessoas a ‘verem navios’. Eu vejo todo dia na TV tiroteio no Rio, corrupção, polícia se corrompendo, os hospitais um caos, a falta de dinheiro… E nós só vemos os políticos votando em coisas em favor deles, só pensando no bolso deles.

Eles têm tudo; auxílio carro, viagem, têm auxílio de tudo. E a gente que não está no meio deles, não tem direito a nada. Hospital as traças, faltando medicamento, equipamento, as pessoas na fila para operação. Nosso país e o Rio de Janeiro não merecem isso.

Eles só prometem. Tem gente que já está calejada, nem acredita mais no que eles falam. Mas tem gente que acredita, que vai na deles, e eles acabam ‘ferrando’ a gente mais uma vez. Eu acredito que isso não vai mudar, é uma bola de neve, entra um, sai outro, e é a mesma coisa. A pessoa que está de fora entra com a cabeça de que vai resolver, mas se ela não tiver uma cabeça boa, vai se corromper também, então e muito difícil”.

“Estou sempre sorrindo, porque sou uma pessoa pública. Diz o ditado que ‘quem canta, seus males espanta’. Tem vez que eu subo ali – palco – com vários problemas, eu tenho vários problemas particulares. Mas quando estou no palco, tenho que mostrar coisas boas para as pessoas que estão me ouvindo cantar, tenho que mostrar que estou com eles. E eu olho, vejo a felicidade deles e isso acaba me completando. Saio do Rio cheio de problemas e chego em São Paulo para um ensaio, aí, quando subo no palco não posso demonstrar tristeza. Porque se eu cantar com tristeza o público vai perceber e eu não vou contagiar aquela comunidade”.

“Então sorrir sempre! Não é que sou duas caras, mas os problemas ficam do portão pra fora da quadra da escola de samba, é profissionalismo. Costumo dizer que problemas de casa, são dentro de casa, e trabalho é trabalho. Porque isso te afeta, e se eu levar os problemas para o trabalho, eu não vou conseguir desempenhar bem. Então eu preciso estar assim, eu sou assim, eu sorrio sempre.

Eu tenho até medo de sorrir demais, porque as vezes as pessoas acham que por eu sorrir demais, eu sou muito aberto, e não é assim. Mas também tem pessoas que não se aproximam por medo, tem gente que me endeusa e eu acho que não precisa. Tem gente que acha que tem que ser assim, quem sou eu pra dizer que não! Enfim, sorrir sempre. Sempre sorrindo, porque tenho uma comunidade, uma escola com quase 5 mil componentes que a gente tem que alegrar. Cantar e sorrir, esse cara sou eu”.

“Meu projeto de vida é o meu negócio de marmitas prontas, acredito que vai dar muito certo. E vai me ajudar muito futuramente, caso não venha mais a cantar. Tem que ter um porto seguro, para que possa sustentar minha família.

Meu objetivo também é um dia ser campeão pelo Camisa, poder subir para o Grupo Especial com o Camisa, poder cantar no Especial com o Camisa Verde e Branco. É uma escola que tenho muito carinho, que eu respeito, porque foi a escola que me deu a oportunidade de cantar no Carnaval de São Paulo, de estar sendo conhecido aos poucos no Carnaval de São Paulo. Então meu futuro é dar prosseguimento ao meu projeto de marmitas prontas e passar pelo Anhembi no Especial com o Camisa. Vou ficar muito realizado!

E também cantar no Especial do Rio de Janeiro. Não vou escolher uma escola, mas vontade sempre tenho, a oportunidade que vier, vou abraçar. Se Deus quiser isso vai acontecer”.

“Quero agradecer mais uma vez pelo Camisa acreditar em mim em 2015 e 2016, onde saí da escola pra cantar no Mocidade Alegre, comunidade que eu também quero agradecer. Mas meu coração ficou no Camisa quando saí, e esse ano eu estou retornando, graças à Deus. A comunidade pediu minha volta, tive conversas com outras escolas, mas o coração falou mais alto, independente do dinheiro. Tive outras propostas acima, mas vim pelo coração, não pelo financeiro. As vezes o financeiro não é tão bom pra gente lá na frente. O que vale é o coração, e o coração falou mais alto e eu resolvi retornar ao Camisa Verde e Branco.

Então a comunidade da Barra Funda, pode ficar tranquila, que aqui tem um cantor que canta pela escola, canto pelo pavilhão, de verdade, não estou aqui por conta do dinheiro, e sim, pelo amor, pela comunidade. Independente de diretoria, independente de qualquer pessoa que esteja. Eu aprendi a gostar do Camisa”.

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