‘O mercado é tão machista, que prefere contratar um homem que quer ser mulher do que uma mulher’

Lilian Rabello. Foto: Reprodução

Lilian Rabello. Foto: Reprodução

“Ah, vira virou, vira virou. A Mocidade chegou, chegou”. O refrão é de um dos sambas históricos do Carnaval carioca, do enredo desenvolvido por Renato Lage e Lilian Rabello, em 1990. Os dois tomaram rumos diferentes: Renato atualmente é carnavalesco da Grande Rio. Lilian é artista, não está atuando nas escolas de samba, mas dirige um bloco de rua.

Em entrevista ao jornalista Sidney Rezende, diretor do SRzd, Lilian falou sobre criação e refletiu sobre o Carnaval de hoje e dos últimos anos.  “Tudo está em movimento. Cada um tem um propósito nessa vida. Alguns vêm para fazer outras pessoas pensarem fora da caixa. Outros para reproduzir o que os outros já fizeram”, disse.

A carreira de Lilian no Carnaval começou em 1978. De lá para cá, ela testemunhou a repetição de alguns momentos semelhantes de crise na maior festa popular do mundo. “Quando eu comecei, falavam ‘Ah, o Carnaval vai acabar’. E eu comecei a observar que tudo é cíclico. De tempo em tempo, essas crises se repetem. Já em 85, no Salgueiro, diziam que um dia o mundo vai acordar. E agora as pessoas estão acordando. Depois de décadas, vejo que essa grande crise contemporânea vai alavancar mudança de paradigma”.

Apesar da crise atual, a carnavalesca se mostra otimista com as mudanças. “Esse ciclo novo vai criar uma nova economia, novos paradigmas de inter-relação. Não só emocional, profissional, política, econômica. Então, essa grande chatice que está acontecendo é para arrumar a casa. Você não faz uma faxina sem tirar tudo do lugar”.

O espaço da mulher no Carnaval é como objeto de desejo: musa, passista, baiana. Ou ela é mãe, ou está na cozinha, ou está cama.

Embora tenha participado de enredos de grande sucesso, Lilian não tem atuado em escolas de samba atualmente. E ela tem uma explicação. “O mercado carnavalesco é tão machista, que prefere contratar um homem que quer ser mulher do que uma mulher, que é mulher. O espaço da mulher no Carnaval é como objeto de desejo: musa, passista, baiana. Ou ela é mãe, ou está na cozinha, ou está cama. Mulher que pensa é um perigo. Então, é difícil um homem dar espaço para uma mulher. Quantas carnavalescas existem?”, questiona.

“Sexualizaram o Carnaval; o homem correndo atrás do sexo, a mulher como objeto. Mas, profissionalmente, uma mulher que pensa causa incômodo”, acredita Lilian. Para a artista, o empoderamento da mulher não chegou ao Carnaval. “É um problema planetário, de alma, cíclico. Estamos no limiar de um mundo novo”.

“A mulher é o divino, é geradora da vida, é a mulher que gera um outro ser. É a co-criadora com o masculino. Estamos vivendo num planeta invertido. Quantos milhões de homens querem ser mulher”, disse Lilian. Em seguida, a artista foi questionada pelo jornalista sobre se há uma ditadura gay no Carnaval e desconversou.

A volta às escolas de samba

Lilian tem seu bloco carnavalesco que sai em Ipanema, bairro da Zona Sul do Rio. No entanto, a artista tem vontade de voltar a atuar em escolas de samba. “Tenho uma trilogia [de enredo] para esse limiar do mundo novo. A hora que me chamarem, eis-me aqui. Agora, esse processo é muito delicado. Criticar, falar, é muito fácil. Ir lá e fazer é que são elas. Então, se alguém quiser saber o que eu tenho na minha mente, me chama que eu vou”.

Carnaval é um fenômeno. Ele começou como um rito agrário, mas ele é a expressão da alma de um povo.

Quando saiu do Carnaval das escolas de samba, voltou sua atenção para os blocos de rua. “Carnaval é um fenômeno. Ele começou como um rito agrário, mas ele é a expressão da alma de um povo. Por mais escravizado que esse povo tente ser, ele é livre na sua alma, no seu pensamento, na sua expressão. Por isso que a cultura popular é a maior riqueza que um país pode ter. E por isso que ela é relegada ao folclore, a uma arte menor. É por isso que estou nos bastidores trabalhando como conselheira de cultura”, explicou.

A criação do bloco “Pega Rex” teve um motivo. “Como a Ambev tomou conta de toda a expressão de cultura popular e começou a criar uma geração de alcoólatras, porque ninguém consegue dissociar Carnaval de bebedeira e sexo, falei ‘Opa, peraí, garota de Ipanema não mata cachorro a grito. Vamos soltar os cachorros pela preservação da pegação familiar. A gente solta a cachorrada. É um Carnaval do interior de Ipanema, semi secreto, pela preservação do Carnaval família”.

A cultura brasileira

Para Lilian, uma revolução acontece no “silêncio da criatividade”. “Existe um ditado: quer escravizar um povo, acabe com a cultura dele. É só procurar no dial para ver o que estão fazendo com a cultura brasileira, que é riquíssima. E é tão rica, que virou uma ameaça para esse governo oculto que tudo controla e domina. O Brasil é um berço esplêndido na música, na arte, na criatividade. Melhor disso tudo é que a grande revolução não vai ser televisionada. Acontece no silêncio da criatividade da alma do brasileiro. Ao mesmo tempo que dizem que ‘está todo mundo apático’. Não está não. Muita coisa legal está sendo feita”.

Existe um governo oculto que não é só americano, é planetário. Eles se resumem a 120 famílias que têm hierarquia planetária que dominam tudo para manter todo mundo dentro da caixinha.

A artista explicou sobre o que acredita ser “governo oculto”. “Existe um governo oculto que não é só americano, é planetário, o Clube de Bilderberg. São os donos do mundo. Vejam quem são os donos das gravadoras, das emissoras, da informação, da cultura, da alimentação, saúde. Eles se resumem a 120 famílias que têm hierarquia planetária que dominam tudo para manter todo mundo dentro da caixinha. Escolhe meia dúzia de artistas que faturam milhões e o resto é como se não existisse. Só que esse novo paradigma que está se abrindo, através da internet e outros movimentos, está revelando muito artista bom, muita garotada genial. O Brasil é um celeiro. Estão comprando o Brasil inteiro a troco de banana. Ou a gente acorda, se une e colabora ou a gente evapora. A cultura é o bem mais precioso, porque é a expressão de um povo, é a criatividade, é a arte, o jeitinho brasileiro. Acha que tantos povos vindos para o Brasil, criando a miscigenação, é por acaso?”

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