Escolas de samba reavaliam posição e admitem nova proposta de consenso com a Prefeitura

Mangueira/Desfile Oficial. Foto: Henrique Matos

Passado o impacto da proposta do prefeito Marcelo Crivella de reduzir em 50% a subvenção para as escolas de samba, os principais líderes das agremiações chegaram à conclusão que o confronto com a prefeitura do Rio não é interessante nem ao Carnaval e nem à sociedade.

Em entrevista ao SRzd, o presidente da Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (Liesa), Jorge Castanheira, disse que é possível se chegar a um consenso. “É no momento de crise que a gente constrói novas soluções. E o prefeito, se ele se sensibilizar em relação ao tamanho da importância do espetáculo das escolas de samba para a contribuição no turismo, na geração de toda a receita para a Prefeitura, de toda a visitação que a gente tem no período do Carnaval, certamente ele vai entender que nós não podemos descer o nível do Carnaval para o patamar que se está se propondo.

É no momento de crise que a gente constrói novas soluções.

A gente tem que encontrar uma solução de consenso. Tenho certeza e confio na sensibilidade do prefeito, marcando essa audiência o mais rápido possível, porque estamos num período muito apertado. Inclusive, temos agora no dia 30 de junho uma lei municipal que diz claramente que nós temos que dizer e publicar no Diário Oficial pela Riotur, qual será o preço do setor turístico. Então, nós estamos jogando contra o tempo, contra o relógio”.

Quem pensa no mesmo sentido é a colunista do SRzd Rachel Valença. Mesmo admitindo que a discussão foi mal conduzida, ela acredita que o momento que o Brasil vive, principalmente, por causa das dificuldades econômicas e financeiras, é hora de se compreender que o diálogo é a única saída. “A questão tinha que ser conversada com mais cooperação, com mais camaradagem entre as partes. Os dirigentes da Liesa, representantes das escolas de samba do Grupo Especial, eles apoiaram o atual prefeito quando candidato. Então, eles, supostamente, teriam que ter um diálogo com esse atual prefeito para resolver essas questões de uma maneira mais amistosa”, diz Rachel.

Rachel Valença. Foto: Nicolas Renato Photography
Rachel Valença. Foto: Nicolas Renato Photography

“Quando o prefeito é obrigado a cortar em 50% os subsídios, ele tem as razões dele. E as razões são claras para todo mundo: há uma grande crise econômica no país. Agora, o que acontece, é que a questão foi mal colocada, porque se o prefeito dissesse que chegou a vez da prefeitura não ter mais como arcar com valor tão alto, acho que todo mundo entenderia, porque é fato que a prefeitura também está atravessando dificuldades financeiras. Agora, o que foi dito, que era para ajudar outro segmento, para dar iogurte para as creches, isso coloca a opinião pública contra o Carnaval. Ou seja, coloca a tônica do Carnaval ser uma atividade supérflua, enquanto o iogurte das crianças é uma coisa essencial. Ora, o Carnaval no Rio de Janeiro não é a cereja do bolo. Ela é uma atividade muito significativa”.

Para Rachel Valença, tudo poderia ter sido feito de uma outra maneira: “Acho que o prefeito poderia ter conduzido a questão cobrando das escolas uma postura diferente em relação ao espetáculo. Porque este ano de 2017 foi um ano em que a representação das escolas de samba feita pela Liesa deixou muito a desejar. O Carnaval deste ano foi um Carnaval que apresentou muitas falhas, muitos furos, com o custo até de vidas de seres humanos. É preciso repensar isso. É preciso dar a este espetáculo um aspecto, um impacto mais condizente com a atualidade. Nós estamos vivendo no nosso país um momento em que a transparência é fundamental, porque nós chegamos ao fundo do poço. Eu acho que o prefeito poderia cobrar, por exemplo, uma contrapartida dos representantes das escolas de samba que fosse uma transparência maior. Como é que esse dinheiro é gasto? O que é feito com esse dinheiro? Qual é a necessidade real de se ter esse dinheiro quando as escolas hoje contam com muitas outras fontes? Algumas até, indiretamente, subsidiadas pelo poder público, porque o sambódromo é um espaço público.

O prefeito poderia ter conduzido a questão cobrando das escolas uma postura diferente em relação ao espetáculo.

Pelo que me parece, faltou um diálogo mais franco, mais aberto. É uma pena, porque agora a gente chega a uma situação em que os dirigentes das escolas de samba dão um ultimato à prefeitura dizendo ‘Nós não vamos desfilar enquanto não voltar aquele valor’. Vamos falar francamente: o impacto deste R$ 1 milhão no orçamento das escolas seria, por exemplo, de 20% do que elas gastam em todo o Carnaval? Se for até 30%, dá para remanejar. Por exemplo, se uma família tem sua renda diminuída em 20%, ela não diz ‘vou desistir de tudo’, não. Ela vê itens do seu orçamento que precisem ser diminuídos. É hora de usar a criatividade. Vamos fazer o uso mais racional do dinheiro e tentar nos adequar aos novos tempos. Os novos tempos têm que ser para todos”.

Mas tem gente que entende que mesmo que as partes conversassem de uma outra forma, há certas coisas inegociáveis. O jornalista Chico Otávio, autor do livro “Os porões da contravenção” ao lado de Aloy Jupiara, escreveu em seu Facebook que o poder público não pode aceitar certas pressões:  “Não é novidade a chantagem recorrente de uma entidade controlada pelo crime organizado. O que me impressiona é a adesão dos colegas jornalistas, alguns de boa fé e outros nem tanto. Somos rigorosíssimos com a prestação de contas dos agentes públicos, da prefeitura ao governo federal. No entanto, tais colegas acreditam fielmente no chororô das escolas de samba, sem que seus gestores tenham qualquer comprovante que possa dar crédito ao que dizem. Num ambiente sem qualquer transparência, verdadeira caixa preta que resiste ao tempo, me envergonham os colegas que ainda dão crédito a esse absurdo”.

O carnavalesco da Mangueira, Leandro Vieira, depois de defender o Carnaval como fonte de renda para a cidade e um investimento comprovado pelas fontes oficiais, disse que hoje muitas escolas não conseguiriam realizar seu desfile sem o recurso público.

Leandro Vieira. Foto: Divulgação
Leandro Vieira. Foto: Divulgação

“A questão de fazer um Carnaval com menos R$ 1 milhão é uma questão que tem que ser pensada posteriormente. Esse dinheiro que a Prefeitura investe no Carnaval é um dinheiro que nivela as escolas de samba com uma base para produzir um espetáculo onde todos estejam no mesmo nível. Claro que a gente sabe que algumas escolas têm patrono, que outras escolas conseguem patrocínio, conseguem investidores, mas nem todas conseguem isso. Pelo menos nos últimos três Carnavais, o que se tem dito é que são os Carnavais da crise. O último Carnaval já foi o Carnaval da crise. A escola que eu represento, que é a Mangueira, é uma escola que, por exemplo, não tem patrono, nos dois últimos anos não fez Carnaval patrocinado e nós conseguimos fazer o Carnaval com o dinheiro da subvenção. O dinheiro que regulariza, que nivela, que nos permite fazer um espetáculo que pode, em função de outras questões, ser campeão ou não. Eu estou falando de escola que não apresenta grandes inovações tecnológicas, que já faz um Carnaval modesto. Readaptar esse Carnaval é uma questão de discussão, é uma questão de sentar, conversar, mudar o modelo, mudar os padrões, reavaliar algumas coisas e repensar”.

Esse dinheiro que a Prefeitura investe no Carnaval é o que nivela as escolas de samba.

O carnavalesco lembra que os últimos anos têm sido muito difíceis para as escolas de samba. “Os dois últimos Carnavais da Mangueira custaram entre R$ 5,5 milhões e R$ 6 milhões. A Mangueira faz Carnaval com a verba que é destinada. A escola tem uma dívida acumulada vinda de uma gestão anterior, que hoje o atual presidente renegocia e paga de uma forma a manter a estrutura financeira da Mangueira de uma forma sadia, mas ela faz Carnaval com o que ela ganha da Prefeitura, do direito de imagem, da transmissão”.

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