Unidos de Bangu 2018: Agremiação faz desfile vibrante, mas peca nos acabamentos

Unidos de Bangu. Foto: Divulgação/RioTur

Falar sobre enredos relacionados à África e trazendo a relação do Brasil com os negros não é exatamente uma novidade. Todos os anos, diversas escolas de samba retratam em seus carnavais menções ao tema, e foi com o enredo “A travessia da Calunga Grande e a nobreza negra no Brasil”, do veterano Cid Carvalho, que a Unidos de Bangu desfilou na Marquês de Sapucaí abrindo os desfiles da Série A, nesta sexta-feira (9). Simples e driblando a falta de recursos, a atual campeã da Série B fez um desfile para tentar se manter na Série A, mas não escapou dos diversos problemas em alegorias e nas fantasias.

Alegoria Unidos de Bangu. Foto: Gabriel Monteiro / Riotur

Para o desfile, a agremiação, que nunca ganhou a Série A e nunca desfilou pelo Grupo Especial, apostou em materiais simples e baratos, como o plástico, que fez parte de grande parte das fantasias e dos carros alegóricos. Esta foi a segunda vez que a veterana da Zona Oeste desfilou na Marquês de Sapucaí. A primeira, em 2015, levou ao rebaixamento.

À frente da bateria, a Caldeirão da Zona Oeste, a cantora Lexa esbanjou leveza e samba no pé durante todo o desfile, embalada pelas vozes de dois intérpretes experientes da Avenida, Thiago Brito e Leandro Santos, que foram convidados pelo presidente Marcelo do Rap para vestirem o manto da Unidos de Bangu. Durante o desfile, a bateria do Mestre Léo foi a aposta para que a escola siga na Série A.

Lexa, rainha de bateria da Unidos de Bangu. Foto: Gabriel Monteiro / Riotur

Para defender sua permanência na Série A, a Unidos de Bangu apostou no retorno à Africa. O enredo “A travessia da Calunga Grande e a nobreza negra no Brasil” acredita que foi o povo negro – prioritariamente africano – responsável pelo nascimento da cultura genuinamente brasileira.

A dificuldade é visível, a falta de recursos é gritante.

Em entrevista ao SRzd, Cid Carvalho assumiu que a falta de verbas atrapalhou o desfile. “A aposta do desfile foi na força do samba, na força do enredo e no canto do componente. A dificuldade é visível, a falta de recursos é gritante. Na parte plástica, acho que o carro um e dois vêm muito bem. Foi o que foi possível fazer, mas eu acredito na força do samba acima de tudo”, afirmou o experiente carnavalesco.

Comissão de frente

A comissão de frente levou à Sapucaí a coroação dos reis e rainhas, que vieram para o Brasil como escravos. Com muita dança e apostando em elementos teatrais, a escola dispensou o uso de um tripé ou elemento cênico. Quinze bailarinos contavam apenas com um tronco – oco – que guardava alguns elementos utilizados na performance.

Eu fiquei meio assustado porque grandes escolas já representaram enredos afro.

Em entrevista ao SRzd, Jorge Teixeira, um dos coreógrafos da comissão de frente, falou sobre o enredo e destacou detalhes da abertura do desfile. “São 15 bailarinos. Nós começamos a trabalhar em outubro [de 2017] com pesquisas, porque quando falaram para a gente que era um enredo afro, eu fiquei meio assustado porque grandes escolas já representaram enredos afro. Mas quando eu fui entender o enredo, ele é afro, mas é brasileiro, porque conta a vinda dos escravos que eram reis e que aqui, como escravos, continuavam sendo respeitados como reis e rainhas [pelos outros escravos]. Essa é a história de Chico Rei. É uma lenda. Na verdade, ele não chegou a existir e acabou se tornando um verdadeiro rei com a riqueza que construiu em Minas Gerais. O maior valor hoje é a dança. Tem a parte teatral, sim, mas o elemento principal é a dança”, disse.

Comissão de frente Unidos de Bangu. Foto: Gabriel Monteiro / Riotur

Utilizando recursos simples como imagens utilizadas pela Igreja Católica, a comissão de frente mostrou a aculturação dos negros em sua vinda ao Brasil, o processo de catequização e, posteriormente, a coroação de Chico Rei. As imagens, confeccionadas em tecido, se transformavam no manto e ainda na bandeira da escola.

Segundo o comentarista do SRzd Márcio Moura, “Saulo e Jorge trazem uma comissão que tem na força cênica seu diferencial. Simples na indumentária, mas absolutamente pertinente à proposta. Adereços de mão, ora tocos de madeira, ora estandartes auxiliaram na coreografia. O enredo foi contado literalmente na comissão, que termina coroando um dos seus integrantes. Um ponto forte da escola até esse momento”.

Casal de mestre-sala e porta-bandeira

Empunhando o pavilhão da vermelha e branco da Zona Oeste, o casal de mestre-sala e porta-bandeira Diego Falcão e Jackeline Gomes mostrou leveza e interação. A fantasia representou as civilizações de reinados fortes e poderosos: a Nobreza Africana, e teve como elementos as penas. O vermelho contrastou com as cores em tons dourados entre o casal Jackeline Gomes e Diego Falcão, que, com samba no pé, mostrou ao que veio.

Deu a impressão de que ensaiaram muito para o desfile

Segundo a comentarista do SRzd Eliane Santos de Souza, “o casal da Unidos de Bangu desenvolveu a coreografia com a maioria dos movimentos obrigatórios para o bailado, mas pude observar que havia um problema com a fantasia da porta-bandeira que prejudicou a realização dos movimentos coordenados do casal, que, na adversidade, não perdeu a altivez e a elegância que o cargo lhe impõe. O mestre-sala se esmerou em improvisos para suprir a perda da naturalidade da dança causada pela falha na indumentária. O mestre-sala realizou movimentos muito bem feitos, como o sapateado, quando ele tem que executar muitos passos miúdos e rápidos, quando ele tem que se esmerar na corte e isso com muita elegância. Apesar da adversidade vista causada por problema na fantasia da porta-bandeira, o casal caminhou com simpatia, reverenciando o público e as pessoas que estavam presentes”.

Para o comentarista do SRzd Mestre Manoel Dionísio, a dança é resultado de muito ensaio. “Movimentos terminados na hora certa, que deu a impressão de que ensaiaram muito para o desfile”.

Casal de mestre-sala e porta-bandeira da Unidos de Bangu. Foto: Gabriel Monteiro / Riotur

Bateria

A bateria do Mestre Léo foi o destaque durante todo o desfile. Com um conjunto de bossas criativas, a Caldeirão da Zona Oeste teve destaque positivo. Este foi o primeiro ano do profissional no comando da bateria.

Destaque para o conjunto de bossas criativas.

O comentarista do SRzd Claudio Francioni destacou o conjunto de bossas criativas e bem executadas do segmento.

Escalada para desfilar à frente da bateria, a cantora Lexa disse estar empolgada, pouco antes do desfile. “Eu fui em boa parte dos ensaios, no barracão. Eu faço parte da escola e gosto de estar por dentro de tudo. Sendo rainha pela primeira vez, isso é surreal. Eu vim como musa no ano passado, pela Vila Isabel, então eu acho que é um dever, uma responsabilidade, e uma emoção sem igual. Eu venho representando a rainha dos escravos de Calunga, estou muito feliz com a escola”.

Leo, mestre de bateria da Unidos de Bangu. Foto: Gabriel Monteiro / Riotur

Samba e carro de som

Se já não bastasse o time de peso, a escola da Zona Oeste colocou no comando de seu carro de som os experientes Thiago Brito e Leandro Santos. Aliados ao grito na Avenida, levaram um samba envolvente, mas que não foi cantado por todos os componentes. A obra feita por onze compositores, incluindo Diego Nicolau. “É um samba valente, com variações melódicas entre menor e maior. Um samba que passou bem na Avenida, embora algumas alas não cantaram tanto quanto as outras, mas não comprometeu o desfile da escola”, opinou o comentarista do SRzd Wanderley Monteiro. Ele também falou sobre o carro de som: “Thiago Brito e Leandro Santos puxaram o samba com categoria, com valentia. Achei que o samba se apresentou muito bem e puxou a escola”.

Fantasias, alegorias e adereços

Com fantasias simples e com elementos de baixo custo, a Unidos de Bangu apostou na leveza e em itens que podem ser adquiridos em papelarias. Mas a sagacidade e visão de Cid Carvalho levaram à Sapucaí um trabalho bastante honesto, com o objetivo de se manter na Série A do Carnaval carioca.

Para o comentarista do SRzd Hélio Rainho, a escola pecou. “Os enredos africanos têm uma pegada muito parecida. O que nós percebemos é que a escola até começou de uma forma mais equilibrada, mas a partir do segundo carro começaram a aparecer muitos problemas”.

“Embora sempre estivesse muito bem representadas as cores, as fantasias ficaram um tanto quanto abstratas. Por um lado, faltou requinte e bom gosto. Mas a ideia foi boa”, atentou Hélio.

Ala das baianas da Unidos de Bangu. Foto: Gabriel Monteiro / Riotur

Harmonia e evolução

O samba puxou a escola.

“Acredito que poderia ter tido um requinte um pouco melhor. A gente via as coisas se desfazendo, com um problema de acabamento. Mas o samba puxou a escola”, afirmou.

Para o comentarista do SRzd Luiz Fernando Reis, a escola se prejudicou nos acabamentos. “A Bangu, infelizmente, não conseguiu fazer um bom Carnaval. A gente percebia que sua proposta de enredo de Carnaval estava requintado. Estava luxuoso, mas com a falta de recursos, ele diminui muito. Diminui em alegoria, diminui em fantasia. O projeto foi muito bom, mas faltou tentar um projeto mais original, talvez”, destacou.

Como falou o comentarista Wanderlei Monteiro, “o samba passou bem, mas algumas alas não cantaram”.

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Ficha técnica da escola

Bandeira do GRES Unidos de Bangu.png Fundação: 15 de novembro de 1937 (80 anos)
Cores: Vermelho e Branco
Presidente: Marcelo do Rap
Presidente de honra: Clécio Régis
Carnavalesco: Cid Carvalho
Intérpretes oficiais: Leandro Santos e Thiago Brito
Diretor de Carnaval: Rodrigo Marques e Guilherme Diniz
Diretor de harmonia: Alcides Kenga
Diretor de bateria: Mestre Zumbi
Rainha da bateria: Lexa
Mestre-sala e porta-bandeira: Diego Falcão e Jackeline Gomes
Coreógrafos: Jorge Teixeira e Saulo Finelon
Enredo: “A travessia da Calunga Grande e a nobreza negra no Brasil”
Alas: 19
Carros alegóricos: 4

Samba-enredo

Autores: Diego Nicolau, Dudu Senna, Richard Valença, Renan Diniz, Orlando Ambrósio, Rafael Tinguinha, Rafael Prates, André Kaballa, Marcio de Deus, Washington Motta e Ivan Câmara
Intérpretes: Leandro Santos e Thiago Brito

– Clique aqui para ouvir o samba

A linda lua de África
Vai refletir, na tura pele (negra)
Somos herdeiros do Alafin de Oyó
O elo maior com a natureza
Olhar de serpente, nobreza da raça
Que quebra a corrente
E não se entrega não
Tem a valentia de um leão
Brilhou…
Nos olhos o fogo ancestral
Aluminando o ritual
O céu e o mar, Orum e Aiyê
Se unem pra te proteger

Ôôôô Calunga é dor
É um clamor por piedade
Ê maré! Que dança
Ê maré! Balança o tumbeiro
Velho prisioneiro da desigualdade
(oceano inteiro é pranto de saudade)

O brado de Agotime ecoava
Rainha, Mãe Naê do Agongonô
Galanga virou Chico-Rei
Palmares é o meu Ylê
Tem festa no quariterê
Seguindo em devoção eu vou
Ao ébano altar da “Ginga”
Toque de cabaça enfeitiçado
Eu quero ver o negro ser coroado
No porão da fé ôôô
Leva Afefé, meu afã (pro mar)
E eterniza esse canto Yorubá

Eabadeiaia
Iaia Aiê Eabadeiaia eiaiá
Eabadeiaia
Iaia Aiê Eabadeiaia Bangu vai cantar!

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