Portela 2018: Azul e Branca faz desfile emocionante e tradicional em retorno de Rosa Magalhães

Desfile Portela 2018. Foto: Juliana Dias/ SRzd

Desfile Portela 2018. Foto: Juliana Dias/ SRzd

Atual campeã do Grupo Especial, a Portela foi a segunda escola a se apresentar no último de desfiles da elite do Carnaval carioca. Para 2018, a Azul e Branca escalou Rosa Magalhães como carnavalesca, substituindo Paulo Barros, que assumiu o Carnaval da Vila Isabel. Um dos maiores nomes no segmento, Rosa Magalhães coleciona títulos. O último, conquistado em 2015 com a Vila.

A Portela é a maior detentora de títulos do Carnaval carioca, mas nos últimos 20 anos viveu um grande jejum, quebrado apenas no último ano. Para 2018, a azul e branca apresentou o enredo “De Repente Lá Pra Cá e Dirrepente Daqui Pra Lá…”, que conta a fundação de Nova York, nos Estados Unidos, por judeus expulsos de Pernambuco pelos portugueses, seguindo rumo ao chamado Novo Mundo.

Para discorrer a história, Rosa partiu da saga dos imigrantes europeus em busca de liberdade e paz, síntese do enredo, falando sobre a intolerância, xenofobia e crises migratórias que se espalham pelo mundo. Em forma de cordel, a carnavalesca deixou uma questão: tudo acabou ou são questões que ainda permeiam nosso cotidiano? Na Avenida, a Portela foi a Portela.

Enredo

Desfile Portela 2018. Foto: Juliana Dias/ SRzd
Desfile Portela 2018. Foto: Juliana Dias/ SRzd

Rosa Magalhães fez o que todos esperavam e desenvolveu muito bem o enredo. Sem nenhuma grande maravilha tecnológica ou surpresa pirotécnica, a escola seguiu sua tradicional apresentação. São poucas as pessoas que não se emocionam com a Portela, e isso foi visto durante todo o desfile.

Para a comentarista do SRzd Rachel Valença, a ida de Rosa para a Portela foi um ótimo casamento:

Se terminar será uma pena.

“O casamento de Rosa Magalhães com a Portela pode até ter vida curta, como é típico de nossos tempos. Mas se terminar será uma pena. Porque o capricho característico da carnavalesca tem tudo a ver com a exigente alma portelense. Foi um lindo desfile, ainda que o samba não tenha tido o desempenho que se anunciava. Não por culpa do intérprete. Gilsinho foi muito bem. Menos ainda por culpa da bateria, que brilhou com samba puro. Desfiles como esse são o caminho pra livrar a Sapucaí do rave que nos assola desrespeitosamente. Território sagrado do samba, é ele que deve brilhar soberano aqui, como o fez hoje a Portela.”

Comissão de frente

Desfile Portela 2018. Foto: Juliana Dias/ SRzd

Sérgio Lobato foi o escalado para assumir a comissão de frente da Portela em 2018. Representando a “Diáspora”, mostrou a saga dos imigrantes e refugiados saindo da Europa em sentido ao Brasil, desbravando o Oceano Atlântico a bordo de uma caravela. Seis bailarinos encenavam a saga em cima do tripé, que contava com oito bailarinos em sua parte interna.

A comissão de frente foi primordial para o andamento do desfile. Não apenas responsável por abrir toda a apresentação, mas porque empolgou. Principalmente quando, no refrão em que o samba mencionava os 22 títulos da escola, a caravela se transformava em uma grande águia.

Desfile Portela 2018. Foto: Juliana Dias/ SRzd

Segundo Sérgio Lobato, coreógrafo da comissão de frente, foi um trabalho atemporal:

É um barco, ele tem uma visão 360º.

“A comissão se chama ‘Diáspora’, que é um grupo de pessoas que, por questões religiosa ou política, fogem de sua terra. Eu não retrato que sejam judeus, pode ser atemporal, até mesmo brasileiros, essa busca dos sonhos de uma terra. É um barco, ele tem uma visão 360º, todo mundo vai ver, toda Avenida, a frisa… Então se compõe muito bem dentro da proposta que é. Eu não faço nenhuma crítica se e grande ou pequeno, eu acho que cada um sabe o que quer ou como utilizar. Depende da proposta do enredo, da proposta que se cria. Cada enredo tem uma proposta”.

Casal de mestre-sala e porta-bandeira

Desfile Portela 2018. Foto: Juliana Dias/ SRzd

Primeiro casal – representou “O Encontro de Culturas”, mostrando o choque e a fusão das culturas nordestina e judaica com o convívio dos povos em Pernambuco. Lucinha Nobre regressou à Escola após seis anos de ausência. Para o retorno, a porta-bandeira escolheu Marlon Lamar como mestre-sala. A irmã do cantor Dudu Nobre deu um show, digno do que o espetáculo merecia.

Para o desfile, a sambista tentou se concentrar ao máximo e evitou falar com a imprensa na concentração. Ao SRzd, Lucinha comentou que havia chorado o dia inteiro, e que como estava maquiada e pronta para entrar, iria se concentrar para não chorar, o que poderia prejudicar o desempenho no desfile. E, assim, a porta-bandeira fez. Um desfile primoroso, digno de um Grupo Especial. Mas o retorno de Lucinha marcou um outro momento: a primeira porta-bandeira desfilou com a ponteira de Dodô, primeira porta-bandeira da escola em 1935. O fato foi percebido por Eliane Santos Souza, afilhada de Dodô e comentarista do SRzd.

Desfile Portela 2018. Foto: Juliana Dias/ SRzd

A surpresa rendeu um comentário emocionante:

Não, não é possível ser a ponteira da Dodô!

“Foi muito emocionante tudo o que aconteceu nesse desfile da Portela, para mim. Primeiro eu estava apreciando e vendo o bailado do casal de mestre-sala e porta-bandeira e, de repente olhando para a bandeira, eu senti que eu conhecia alguma coisa ali. Aí eu vi a ponteira. Só que eu não acreditei, porque aquela ponteira estava, assim, desgastada. Estava sem brilho. Então eu falei: ‘Não, não é possível ser a ponteira da Dodô!”. Porque ela tinha na casa dela, ainda, a bandeira de 1935, a primeira bandeira, quando ela recebeu para dançar, guardada. E eu falei ‘Não, não é possível que alguém tenha levado. Eu pensei que fosse uma réplica, então eu fui até o final e perguntei: ‘Essa ponteira é da Dodô?’. Ela falou: ‘É da Dodô!”, mas eu não acreditei. Aí eu fui atrás da Lucinha Nobre, e ela falou ‘É! É a ponteira da Dodô!’. Aí eu fui para o outro lado para conversar com o Mestre de Cerimônia também porque eu não conseguia acreditar que era a ponteira dela. Aí ele falou que a bandeira havia sido restaurada para esse desfile e a Lucinha trouxe para a Avenida. Foi uma forma de trazer a Dodô para o desfile. Foi muito lindo! Foi a imagem mais gratificante, mais bonita, que eu vi nesse Carnaval.”

Eu queria agradecer ao restaurador, ao artista que fez essa alegria para nós. Eu, que sou afilhada da Dodô. Ela me batizou na quadra da Em Cima da Hora, porta-bandeira, então foi muita emoção. Eu tive oportunidade de conviver com a Dodô no projeto do Manoel Dionísio, ela era uma das pessoas que ajudava e colaborava muito lá, e foi ali que surgiu o ‘amadrinhamento’ dela no samba, para mim. Hoje é um dia pleno, um dia de muita felicidade, para mim, porque eu me encontrei com a minha madrinha, porque eu encontrei com ela na Avenida. Foi muito lindo!”

Bateria

Desfile Portela 2018. Foto: Juliana Dias/ SRzd

A bateria da Portela, “Tabajara do Samba”, tem como característica principal o toque do surdo de terceira, inventado por Sula na década de 1940; e o toque das caixas com uma rufada peculiar. Foi uma das baterias mais pesadas do carnaval carioca e contava com um grande número de surdos de primeira, segunda e terceira. Nos últimos anos, a escola mudou essa característica para se adaptar ao andamento mais rápido.

A bateria contou com um momento característico: quando incorporou elementos do forró, mas de uma forma muito orgânica e original. Não houve quebra, ruptura, ou algo que algumas outras baterias já fizeram, em enredos que incorporam o ritmo, onde dava para se perceber uma quebra no compasso.

Desfile Portela 2018. Foto: Juliana Dias/ SRzd

Bruno Moraes, comentarista de bateria do SRzd, elogiou a atuação.

Bateria da Portela faz um desfile perfeito.

“Bateria da Portela faz um desfile perfeito, levantando o público por toda a Sapucaí, com final apoteótico. Mestre Nilo conseguiu fazer um dos seus melhores desfiles sob o comando da Tabajara. Usou e abusou das bossas, em todos os módulos de julgamento e com muita segurança. Destaque para a bossa do forró com uma ala de seis triângulos dando aquele tempero especial.”

Em entrevista ao SRzd antes do desfile, Bianca Monteiro, rainha de bateria, falou sobre o desafio do posto e de já ter garantido, em seu primeiro ano (2017), o campeonato:

Segundo meu mestre, [a rainha] conta ponto sim.

“Eu acho que a Portela está numa era diferente, onde todos se tornaram pés quentes. A Portela entrou na Avenida com um canto maravilhoso, a comunidade está bem unida e, é lógico, a rainha não fez isso tudo sozinha. Foi a comunidade junto com meu mestre Nilo Sérgio, que me ensina todo dia, uma pessoa maravilhosa comigo. Segundo meu mestre, [a rainha] conta ponto sim. Como eu sou uma rainha da comunidade, eu tenho essa preocupação de não prejudicar a escola. Aqui é a Bianca Monteiro junto com a Tabajara do Samba. É uma família.

Samba e carro de som

Desfile Portela 2018. Foto: Juliana Dias/ SRzd

A Portela passou bem durante todo o desfile, tendo seu canto aclamado na Avenida, principalmente, a partir da segunda metade das alas, após o terceiro carro alegórico. Se o samba não empolgou muito, Gilsinho usou toda sua maestria para conduzir o hino do Carnaval.

Segundo Wanderley Monteiro, comentarista do SRzd, a história possibilitou a letra do samba:

Gilsinho com seu Talento soube explorar.

“A Portela trouxe para Sapucaí o seu hino com letra, sotaque e balanço nordestino, permitido pela história que conta o enredo. Uma melodia mais tradicional, sem variações que Gilsinho com seu talento soube explorar e colocou a comunidade de Oswaldo Cruz e Madureira para conduzir a Águia em seu desfile.”

Fantasias, alegorias e adereços

Desfile Portela 2018. Foto: Juliana Dias/ SRzd

Rosa Magalhães é uma das maiores defensoras da tradicionalidade no Carnaval, contrastando com o espírito de ousadia pregado por Paulo Barros. Em todo o desfile, a carnavalesca conseguiu cumprir a proposta com maestria, fazendo um desfile que, apesar de crítico, foi didático e muito fácil de ser lido. Qualquer um, com o mínimo conhecimento de histórica, pôde percorrer a viagem proposta por Rosa.

No início do desfile, Rosa começa a percorrer os sonhos de liberdade. De uma maneira atemporal, remeteu a todas as mudanças em busca de um futuro melhor. À frente da escola, a atriz Sheron Menezes, que já foi rainha de bateria da agremiação, mostrou beleza.

Desfile Portela 2018. Foto: Juliana Dias/ SRzd

O abre-alas da agremiação teve a tradicional Águia, símbolo do Portela e um dos maiores do Carnaval. Para o carro, Rosa Magalhães utilizou duas alegorias acopladas, que representou as “Asas da Liberdade”, trouxe ícones da Azul e Branca como Tia Surica, matriarca da agremiação e Monarco, presidente de honra, além de Carlos Reis, o destaque mais antigo da festa mais popular do país.

O segundo carro da escola trouxe um grade tatu em sua parte frontal. No meio e fim, uma alegoria humana representava os canaviais de cana de açúcar, principal monocultura do Brasil na época. Uma grande sacada de Rosa foi a “transformação” desses integrantes no corpo do tatu. Porém, a performance não pôde ser vista em todo o desfile, já que a técnica falhou e deixou um buraco na parte traseira esquerda.

Desfile Portela 2018. Foto: Juliana Dias/ SRzd

O terceiro carro mostrou simplicidade em apresentar a capital de Pernambuco. Batizado de “Formosa Recife”, a alegoria contava com parte da arquitetura e representava locais turísticos, como casas em estilo colonial.

Na segunda metade da apresentação, Rosa propôs um grande navio pirata, que remetia aos “bandidos” que abordavam os judeus entre o caminho de Recife e da Nova Amsterdã, representado na sexta alegoria. Este carro trouxe um grande moinho de vento em sua parte superior e “fez nevar” na Avenida, perante o calor de Verão do Rio de Janeiro.

Desfile Portela 2018. Foto: Juliana Dias/ SRzd

Fechando o desfile, “New York, New York”. Não teve a famosa música eternizada na voz de Frank Sinatra, mas o carro trouxe elementos característicos da cidade mais visitada dos Estados Unidos, uma das maiores metrópoles de todo o planeta. Com grandes telões representando os outdoors digitais da Times Square, representou os cartazes digitais dos maiores musicais do Mundo, como “O Rei Leão”, “An American in Paris”, e “South Pacific”.

As fantasias também contaram com uma ótima leitura e bons acabamentos, a la estilo Rosa Magalhães.

Harmonia e evolução

Buscando o bicampeonato, a Portela evoluiu muito bem em todo o desfile. Inclusiva, a Portela contou com integrantes em cadeiras de rodas, mostrando que para pular o Carnaval não há limitações.

Desfile Portela 2018. Foto: Juliana Dias/ SRzd

Para o especialista do SRzd Luis Fernando Reis, a Portela briga pelo título:

A Portela veio para tentar o bicampeonato

“Segunda escola a desfilar na noite da segunda-feira de Carnaval, a Portela veio para tentar o bicampeonato. Com um enredo de uma leitura perfeita, a Rosa realmente caprichou nos detalhes. Algumas alegorias não tão bem acabadas, mas uma coisa que me incomodou foi a trilha sonora. Foi o Samba-enredo. A Rosa contou muito bem, o que ela se propôs, ela fez muito bem. Só que a trilha sonora, a gente se afastava, um pouco, do que estava acontecendo na Avenida.”

Foto aérea do desfile da Portela. Foto: Cezar Loureiro | Riotur

Veja também:

– ‘Poder público tem obrigação de contribuir com as escolas’, diz presidente da Portela

– Mestre Nilo Sérgio fala sobre busca dos 40 pontos e revela ponto forte da bateria da Portela

– Vídeo: Gilsinho fala sobre nova fase da Portela e samba ‘fácil’ de 2018

Veja fotos do desfile

 

Ficha técnica da escola

Fundação: 11/04/1923
Cores: Azul e Branco
Presidente de Honra: Monarco
Presidente: Luis Carlos Magalhães
Enredo 2018: “De repente de lá pra cá e dirrepente de cá pra lá…”
Carnavalesca: Rosa Magalhães
Mestre de Bateria: Nilo Sérgio
Rainha de Bateria: Bianca Monteiro
Mestre-Sala e Porta-Bandeira: Marlon Lamar e Lucinha Nobre
Comissão de Frente: Sérgio Lobato

Samba-enredo

Compositores: Samir Trindade, Elson Ramires, Neyzinho do Cavaco, Paulo Lopita 77, Beto Rocha, J. Salles e Girão

Vamos simbora povo vencedor
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Sou nordestino, estrangeiro, versador
Eh eh eh viola…
Vem do arrecife oio azul cabra da peste
No doce do meu agreste, querendo se lambuzar
Oi o mar maré de saudade, oi o mar
Pedindo paz a Javé, perseguido na fé
O imigrante veio trabaiá
Oh saudade que vai na maré
Passa o tempo e não passa a dor
E um dia Pernambuco o português reconquistou
Luar do sertão, ilumina…
Pra quem deixou esse chão, triste sina
Ô cumpadi em seu peito leva um dó
Cada um em seu destino e a tristeza dá um nó (BIS)

Vixi Maria lá no meio do caminho
Tem pirata no navio
O pagamento não foi ouro nem foi prata
Essa gente aperriada foi, seguindo
Ô gira ciranda, vai a chuva vem o sol, deixa cirandar

Chega criança, homi, muié
No abraço dessa terra só não fica quem não quer (BIS)

É legado, é união, é presente, igualdade
É “Noviórque” pedestal da liberdade
A minha águia em poesia de cordel
22 vezes minha estrela lá no céu (BIS)

Lá vem Portela é melhor se segurar
Coração aberto quem quiser pode chegar (BIS)
Vem irmanar a vida inteira
Na campeã das campeãs em Madureira

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