Compositor da Portela reivindica ‘prêmio’ e diz estar passando dificuldades

28/01/2017 às 11h03 - Por Sidney Rezende

Jorge do Batuke. Foto: Sharlene Ventura

A história que iremos contar tem drama pessoal, mágoa e uma certa raiva contida. Ela é humana, e o desfecho não parece próximo de uma fácil solução. Ela começa a ser escrita no ano passado, e o melhor dos mundos para Portela, – uma das mais respeitadas escolas de samba do Rio de Janeiro -, seria que a madrugada do dia 15 de outubro de 2016 não tivesse existido na sua história.

Foi nesta data que ocorreu a disputa final para escolha do samba que dará vida ao enredo “Quem nunca sentiu o corpo arrepiar ao ver esse Rio passar…”. Na ocasião, o samba vencedor, e que de fato será cantado no Carnaval 2017, foi o da parceria de Samir Trindade, Elson Ramires, Neizinho do Cavaco, Paulo Lopita 77, Beto Rocha, Girão e J.Sales.

E a vitória foi acachapante. Dos 50 votos totais dados pela comissão julgadora, Samir e companheiros arrebataram 42, selando a segunda vitória consecutiva. O samba de Noca da Portela ficou com apenas cinco votos e o do grupo “Crias da Portela”, com apenas um.

“A nota triste foi a briga ocorrida após a divulgação do resultado. Segundo testemunhas, compositores derrotados desceram do palco revoltados e agrediram dirigentes e ritmistas da escola. O clima ficou tenso por cerca de 15 minutos e o samba campeão parou de ser cantado. Uma verdadeira água no chope da parceria campeã”, contou a reportagem do SRzd, que estava no local. Relembre assistindo um dos vídeos abaixo:

Em resposta ao tumulto, a direção da Portela foi rápida. Ao conceder várias entrevistas no mesmo dia do quebra-quebra, o presidente da agremiação, Luis Carlos Magalhães, inconformado, destilou toda a sua justa indignação. No domingo (16), em seu site oficial, a Portela comunicou o afastamento da Velha Guarda do compositor Noca da Portela da Velha Guarda da escola. Desde então ele não pode mais se exibir com o grupo show que a escola costuma convocar para apresentações externas.

O igualmente respeitado compositor Monarco também se sentiu ofendido com o que aconteceu. “Não gostei das declarações do colega (Noca) contra a diretoria”, desabafou. De acordo com o comunicado, “depois de perder a disputa para a parceria liderada por Samir Trindade, Noca, em declarações feitas à imprensa, criticou duramente a diretoria e questionou a lisura do resultado”.

Por outro lado, Noca também não escondia seu descontentamento. “Lamentavelmente estou me retirando (da Portela). Não tenho mais paciência de ver as coisas erradas na minha escola. Não passo mais nem na porta”, declarou. A chapa esquentou.

“Ele (Noca) errou muito ao ter essa postura contra a diretoria só porque perdeu a disputa. Todos viram a forma transparente como foi feita a escolha do samba para o próximo desfile. Ninguém pode questionar! Quero registrar aqui o meu protesto. Ele não respeitou a memória do nosso presidente Marcos Falcon e nem o nosso atual presidente Luis Carlos Magalhães ao falar este tipo de coisa por aí. Não respeitou também as dezenas de componentes da escola que formaram a comissão julgadora”, lamentou Monarco, segundo o texto postado na página da Portela.

Chegou-se a dizer na época que um dos incentivadores do tumulto teria sido o compositor Diogo Nogueira. Em um vídeo exclusivo veiculado na época pelo SRzd, o compositor negou com veemência a acusação e esclareceu que não tinha nada a ver com o que havia ocorrido. Reveja:

Além do afastamento de Noca, a direção da Portela também decidiu não premiar, como tradicionalmente fazia em anos anteriores, os dois outros sambas derrotados nas posições segundo e terceiro lugares, mas que na final, foram preteridos pelo que será o hino portelense na Avenida. Por causa da briga, a decisão da Portela foi destinar os prêmios para a compra de roupas para ala dos compositores e não entregá-los aos compositores derrotados.

Neste ambiente é que começa o drama que vamos contar agora. Um dos compositores resolveu externar sua indignação, o taxista Jorge Eduardo Manso, Jorge do Batuke, líder do “Crias da Portela”.

O compositor havia tomado uma decisão, ainda em 2016: “Resolvi me calar”. Mas a quebra da promessa termina aqui, após ele procurar o SRzd. Ouça a entrevista completa logo abaixo, documentada em áudio. E, mais adiante, um texto inédito com o testemunho do compositor.

“Hoje enfrento graves problemas financeiros por conta do que aconteceu. Com a perda do prêmio que seria destinado aos finalistas. Cassado pela diretoria da Portela. A diretoria sabe que não temos nada a ver com a confusão, Mas mesmo assim não voltou atrás. E não nos recebe. Eu espero há 3 meses a oportunidade de ter uma conversa. E ninguém nos recebe.”, desabafa Batuke.

Além de conceder entrevista ao SRzd, Jorge do Batuke também preparou um testemunho escrito:

“No longínquo ano de 1983, mais precisamente em janeiro, pisei pela primeira vez na Portela. Apesar da pouca idade, não sai da minha mente a suntuosa quadra da escola. Levado pelo meu avô, que não era sambista, mas apaixonado pela Portela, fui em todos os festivais de chope e refrigerante que ocorreram nos anos seguijntes.

Mais tarde, em 1987, meu pai comprou um apartamento em frente à Majestade do Samba. De lá pra cá, ocorreram tantas histórias, que se for falar hoje não vou terminar. Se duvidar, pergunte aos mais antigos, vão lembrar de mim.
Já estamos às vésperas do Carnaval.

Carnaval que será o meu mais triste até hoje. Por que? Simples: pago por aquilo que não fiz! E sofro as consequências de uma atitude arbitrária e sem direito à defesa. Sabe o que mais me entristece? Será que valeram a pena esses 34 anos de escola?
Em 2000, fui aconselhado a largar a carreira de ritmista, por problemas de saúde, uma tendinite. Ainda defendi por 11 anos esse quesito na Marquês de Sapucaí, inclusive quando o mesmo definiu um quase rebaixamento para nossa escola. Escuto, quando vou ao médico, que perdi parcialmente o movimento das mãos, por esforço repetitivo. Será que os exaustivos ensaios na Tabajara tiveram a ver? Infelizmente, sim.

Levo essa dor da aposentadoria precoce sozinho praticamente. Pouca gente sabe, mas por anos trabalhei gratuitamente com o finado Paulo Marino na manutenção dos instrumentos, acho que não deve saber quem é, mas foi o maior tocador de caixa da Portela.
Fora da bateria, me dediquei ao meu outro dom: escrever.

Jorge do Batuke e Zezé. Foto: Marcelo Ferreira

Desde então, foram duas vitórias e um terceiro lugar, nos últimos 3 concursos de samba de terreiro, além de bons resultados nas disputas de samba de enredo. Graças a Deus, sempre figurando entre os melhores sambas, sem grandes recursos, mas com grandes amigos e parceiros caminhando ao meu lado.

Resumo: hoje estou endividado por ter gasto por conta. Como se sabe, os finalistas tinham direitos. Inclusive, assinamos por isso. Será que se eu entrasse na Justiça, reclamando os meus 10% da minha parceria, eu seria safado?

Fui procurado no dia seguinte da final por várias pessoas da imprensa carnavalesca, para dar entrevista sobre o episódio da final de samba. Minha resposta foi: “assunto interno se resolve em casa”. Mas, a ‘casa’ nos ignorou. Aprendi uma coisa no mundo do samba: “as injustiças do pré carnaval refletem no desfile”.
Não se esqueça, a Portela é uma escola de fundamento.

Jorge do Batuke
Compositor da Portela
PS:compositor de samba e não bobo da corte”.

Procurada pela reportagem, a diretoria da Portela, através de sua assessoria de imprensa, declarou que não vai comentar o assunto.