Colunistas do SRzd falam sobre cancelamento dos ensaios técnicos 2018

Ensaio técnico da Mangueira 2017. Foto: Jeanine Gall

Ensaio técnico da Mangueira 2017. Foto: Jeanine Gall

A Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa) decidiu cancelar os ensaios técnicos do Carnaval 2018. A justificativa é a falta de recursos. Os colunistas do SRzd falaram sobre a decisão da Liesa. Veja abaixo:

Marcio Moura

É a possibilidade que a gente tem de treinar andamento, de consertar pequenas falhas. É um ensaio. É uma pena que a gente perca isso.

“Agora, eu falo não como colunista do SRzd, mas como coreógrafo de comissão de frente. Não ter o ensaio técnico é uma enorme perda para o desenvolvimento do trabalho coreográfico. Não só de comissão. Todos os trabalhos coreográficos que acontecem na escola: comissão, casal, alas coreografadas, projetos coreográficos vão perder e muito com essa possibilidade de ensaiar todos juntos, ao mesmo tempo, com bateria, no espaço onde efetivamente acontece o desfile. Os ensaios de comunidade não suprem essa necessidade. É a possibilidade que a gente tem de treinar andamento, de consertar pequenas falhas. É um ensaio. É uma pena que a gente perca isso, porque, com certeza, perde o espetáculo final, perde a preparação para o Carnaval. Vamos torcer para que isso seja revertido de alguma forma”.

Rachel Valença

“Essa medida é totalmente injusta e causa revolta, porque as escolas tiveram uma perda de R$ 1 milhão e elas não cuidam de reduzir, por exemplo, um carro alegórico, tornando o desfile mais ágil. Elas pensam em acabar com o ensaio técnico, que é uma coisa que beneficia a população, o povo que gosta realmente das escolas”.

Estou muito revoltada e muito triste, porque acho que é um passo atrás na popularização do Carnaval.

Para a colunista, o valor dos gastos do ensaio técnico para cada escola é pequeno. “Segundo a declaração [de Jorge Castanheira] ao jornal, o ensaio técnico custa à Liesa R$ 3,5 milhões. Isso, dividido por 13 escolas, dá um valor muito pequeno por escola [R$ 269 mil]. Ora, devia ser interesse das escolas investir no ensaio técnico. Que não beneficia só a população. Beneficia a escola, para ela corrigir seus erros, fazer uma apresentação mais ágil e, sobretudo, para ela divulgar o seu trabalho, o seu samba. Devia ser interesse das escolas manter esse gasto para custear o ensaio técnico. Estou muito revoltada e muito triste, porque acho que é um passo atrás na popularização do Carnaval. O desfile das escolas de samba vem perdendo espaço no Carnaval e é preciso que as escolas estejam conscientes de que é um momento ruim de acabar com o ensaio técnico, que é um momento de popularização do desfile”.

Rachel dá também uma sugestão. “Sugiro ainda que as musas, que não representam tradição no samba nem elemento indispensável ao enredo, pagassem para sair nas escolas. O dinheiro arrecadado com as musas pagaria o valor para cada escola do ensaio técnico, cerca de R$ 270 mil para cada escola. Cinco musas, seis musas rateariam esse valor para proporcionar ao público o ensaio técnico”.

A colunista disse ainda que acredita que a decisão possa ser revogada. “Espero que mude [a decisão da Liesa]. Ainda é tempo. Estamos em outubro. Acho que com certeza a Liesa vai reconsiderar essa medida”.

Carlos Fernando Cunha

Essa decisão da Liesa pode ser a última cartada de pressionar o governo municipal e outras entidades para conseguir alguma verba adicional.

“Já que é uma entidade que organiza o Carnaval há bastante tempo, tem articulações políticas na Prefeitura, no governo do estado e no federal, com o próprio empresariado, acho que ela tinha que arrumar um jeito, um patrocínio, uma verba pública, ou mesmo uma verba própria, para que esses ensaios acontecessem. Afinal de contas, ela também deve ser interessada na promoção desses ensaios técnicos que, efetivamente, é uma das grandes possibilidades que essas comunidades tem em frequentar o sambódromo e acessar as escolas de samba”, comentou.

O colunista vê também que essa decisão da liga pode mudar. “Essa decisão da Liesa pode ser a última cartada de pressionar o governo municipal e outras entidades para conseguir alguma verba adicional, tanto do ponto de vista do Estado quanto do empresariado local para que os ensaios aconteçam. Mas efetivamente estamos no mês de outubro e as escolas precisam se organizar. Há todo um processo de agendamento para essas datas. Então o tempo está ficando cada vez mais apertado”.

Hélio Ricardo Rainho

As escolas de samba não têm plano B, a Liga que as representa nunca se imaginou independente dos apupos políticos e de governantes.

“O cancelamento dos ensaios técnicos para 2018 é o que se pode chamar de ‘a crônica de uma morte anunciada’. Além de assinar definitivamente a ingerência cultural da prefeitura e do governo decrépitos do Rio de Janeiro, que não conseguem ver na força desse evento um alavancador de recursos para o estado, é também um ato revelador da fragilidade estrutural da gestão do Carnaval. As escolas de samba não têm plano B, a Liga que as representa nunca se imaginou independente dos apupos políticos e de governantes. De 1935 pra cá, nunca se imaginou que, um dia, um gestor público pudesse ser indiferente com a cultura e as tradições das escolas de samba. Falo de tradição e cultura, porque os ensaios técnicos e os desfiles foram sempre vistos e conduzidos como evento espetacular, nada mais. Que faremos agora, com o povo ainda mais longe? Manteremos nossas tradições nas quadras, nas comunidades, como era antigamente? A cidade em guerra, sem segurança, com escolas de samba em sua maioria em áreas dominadas pelo crime e pelo descaso público…o povo terá acesso? Talvez tudo isso nos sirva para resgatar espontaneidade e leveza aos desfiles. Menos técnica e mais amor é o que falta no carnaval inteiro, e a hora talvez seja está de revolucionar o que precisa ser mesmo refeito!”

Claudio Francioni

Talvez esse hiato seja usado para repensar uma série de detalhes que envolvem o grande evento que se tornou.

“A notícia do cancelamento dos ensaios técnicos não me surpreendeu. Há alguns anos, me parece que a organização vem sofrendo com superlotação e vários outros problemas no entorno do Sambódromo. Não há nos ensaios a mesma infra-estrutura usada para os desfiles e acredito que isso tem causado preocupação para o pessoal da Liesa. Talvez esse hiato seja usado para repensar uma série de detalhes que envolvem o grande evento que se tornou. Só torço para que a solução encontrada não seja a cobrança de ingressos”.

Bruno Moraes

“Quem perde mais nessa questão toda é o público, amante do samba e do Carnaval, principalmente quem não tem condição financeira de ir a um desfile, que é a grande maioria. Hoje o desfile é repleto de ‘gringo’ e pessoas com poder financeiro. Acho que a Liesa conseguiria fazer um ensaio técnico mesmo sem apoio da Prefeitura, só com patrocínio privado. Acho super viável. Tem vários patrocinadores que ficam lá ao longo da Sapucaí. Por final de semana, tem a presença de mais de 50 mil pessoas. Todas visualizando uma marca, um mega potencial e acabam desperdiçando isso”.

Era o único momento em que um mestre de bateria conseguia juntar quase 100% de uma bateria, então, perde bastante a escola, o mestre de bateria.

Bruno falou ainda sobre a bateria, área de seu conhecimento. “Ali, acho que era o único momento em que um mestre de bateria conseguia juntar quase 100% de uma bateria, então, perde bastante a escola, o mestre de bateria. Muito da evolução das baterias se deu diante dos ensaios técnicos ao longo dos anos. Perde bastante também por divulgação do trabalho das baterias. Elas não conseguem mostrar e no dia do desfile é outro foco. É apresentação para os jurados. Então nem sempre é feito no desfile o que foi feito no ensaio técnico. É uma pena. Estou extremamente triste com essa notícia e ainda tenho um pouquinho de esperança que isso vai mudar”.

João Paulo Alves

“Essa decisão traz muitos pontos que afastam cada vez mais o desfile das escolas de samba do grande público. Esse enfraquecimento vem acontecendo há muito tempo. Há um caminho para que desfiles de escolas de samba se tornem cada vez mais de nicho. Assistir ao desfile in loco é para pouquíssimos hoje, em vista do preço que é cobrado. Esses ensaios funcionavam como a grande oportunidade para o público ter acesso ao espetáculo. Obviamente, você suspendendo os ensaios, você afasta esse público. É uma análise muito triste para o espetáculo em si”.

João Paulo falou ainda da imprensa que cobre Carnaval. “Eu quero analisar essa decisão de um ponto de vista que é importante para nós da mídia carnavalesca. Esses ensaios técnicos criaram a mídia carnavalesca. Os grandes sites, o próprio SRzd, outros veículos, eles têm seu crescimento muito aderentes ao ensaio técnico. O sambista criou um meio para poder acompanhar o espetáculo durante o ano inteiro, não ficar só refém da televisão na época do Carnaval, não ficar refém só do bate-papo com os amigos. Você cortar o ensaio técnico é, talvez, você cortar a geração de massa crítica, a geração de conteúdo técnico, de mídia especializada, para o sambista que se interessa por isso e, por que não, para o jurado que se baseia nos comentários técnicos. Não digo para dar a nota e tomar sua decisão, mas para criar a sua base de informações, embasar seu conhecimento. Não ter ensaio técnico, nos prejudica sob esse aspecto. A gente acaba sendo muito emocional quando analisamos isso. A gente leva para o campo político. Acho que a análise tem que ser mais pragmática. Não estou dentro do balanço da Liesa, das questões financeiras que assolam a realização ou não desse ensaio.

Se você enfraquece o Carnaval do Rio, você enfraquece o Rio, enfraquece a cultura brasileira.

Para o comentarista do SRzd, a decisão leva a enfraquecimento da cultura brasileira. “Uma coisa é fato: a gente vive uma fase de escassez financeira, onde ser parcimonioso com o uso do dinheiro não é nada mau. Entretanto, tem coisas que estão um pouco acima de recursos. Um exemplo totalmente fora do Carnaval: em 2008, quando teve a crise americana, quando um grande banco estava para quebrar, o governo americano teve que injetar dinheiro nesse banco, porque a quebra desse banco simbolizaria o fim de todo um sistema de capitalismo, de toda a quebra da economia americana. O que quero falar: se você enfraquece o Carnaval do Rio, você enfraquece o Rio, enfraquece a cultura brasileira. Por mais que não haja recursos dentro do município, da instituição, dentro de qualquer órgão, por todo o tamanho que o Carnaval representa, acho que valeria uma atenção muito especial. Quem sabe de esferas maiores, um esforço extra de algum órgão, para não perdermos isso. Se você causa um afastamento abrupto do público que é quem alimenta o grande espetáculo, como vai perpetuar essa cultura? O apelo cultural do que o Carnaval representa para o Brasil precisa ter uma força maior do que uma crise financeira”.

 

Informações atualizadas às 11h40

 

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