Barracões SRzd: Tuiuti vem grandiosa e crítica para mostrar que ainda existe escravidão

Esculturas que farão parte de alegoria do Tuiuti. Foto: João Carlos Martins.

Se chorar, não leve a mal, porque o Paraíso do Tuiuti promete tocar na emoção dos sambistas e provocar uma grande reflexão ao perguntar “Meu Deus, meu Deus, está extinta a escravidão?”. A representante de São Cristóvão será a quarta a desfilar no domingo de Carnaval e abordará a exploração do trabalho desde os tempos mais remotos. A escola aposta na grandiosidade dos carros e crítica das fantasias, como as duas divulgadas recentemente que fizeram sucesso e repercutiram nas redes sociais.

A agremiação trará cinco alegorias, um tripé e 29 alas para ilustrar o enredo. Com os figurinos quase finalizados e a produção dos carros a todo vapor, o carnavalesco Jack Vasconcellos disse que, apesar da correria, ainda consegue manter a sanidade do barracão e que a interdição da Cidade do Samba não foi o principal problema de atraso do cronograma.

Acredito que a gente consiga terminar a parte alegórica uma semana antes do Carnaval.

“A gente ficou um tempinho parado, mas como começamos cedo, tínhamos uma gordurinha pra queimar. Claro que ficar um mês parado é pesado para qualquer cronograma, mas já estamos terminando as fantasias. Já com as alegorias tivemos atraso com o fornecedor de material, que não está ligado à interdição. Acredito que a gente consiga terminar a parte alegórica uma semana antes do Carnaval”, afirmou Jack.

Grande parte das fantasias do Tuiuti já estão ensacadas e prontas para ser entregues à comunidade. Foto: João Carlos Martins.

Já em relação aos materiais, o carnavalesco confirmou a utilização de plumas e faisões mesmo com a crise, mas não apostará em soluções clássicas, como o uso de espelhos. Segundo Jack, o tema deu liberdade para uma produção mais criativa.

“A gente tem pluma, faisão, tudo que uma escola de samba tem. Mas vamos trabalhar uma linguagem que une um rústico com uma modernidade, com um design mais apurado. Isso nos libertou de muitas coisas. Materiais clássicos a gente quase não tem. Temos um visual bem diferente da tropicália (enredo passado). Tem muitos metais, cobre, ouro, porque eu me inspirei muito nas correntes e grades. O metálico veio forte esse ano na minha cabeça”.

Detalhes dos materiais usados nas fantasias do Tuiuti. Foto: João Carlos Martins.

De que forma a escravidão é tratada no enredo do Tuiuti?

A escravidão já passou pela Marquês de Sapucaí inúmeras vezes e o público chega a brincar que todo ano há um navio negreiro. Será que o Tuiuti conseguirá tratar o tema de uma forma diferente? De acordo com Jack, sim. A escola aposta numa abordagem mais contemporânea que afirma que a escravidão ainda não foi abolida e está presente na sociedade, mesmo que escondida e não percebida pelo povo.

“Olha, a gente tá falando sobre a exploração do trabalho. A escravidão é uma velha conhecida da sociedade desde os tempos mais remotos. Ela tá muito calcada na ideia de superioridade e inferioridade na relação dos seres humanos. E esse jogo de explorados e exploradores vai se atualizando de acordo com as épocas. Por isso, temos essa abordagem contemporânea, para o povo perceber que ela (a escravidão) ainda está por aí”, explicou o carnavalesco.

A gente fala muito dessa questão da Reforma Trabalhista, mas esquece que a escravidão ainda é atual.

Uma das partes do tema que promete causar na Avenida é em relação ao fechamento do enredo. O Tuiuti traz as consequências da escravidão no século XXI e promete abordar não somente a Reforma Trabalhista, como toda a exploração do trabalho que existe, mas não é enxergada.

“A gente fala muito dessa questão da Reforma Trabalhista, mas esquece que a escravidão ainda é atual. A gente tem ainda, nos campos e nas fazendas, gente sendo escravizada, índios sendo escravizados. Nos grandes centros urbanos, facções de tecidos escravizando mulheres, imigrantes. Então, a parada ainda é pesada e tá por aí”, disse Jack Vasconcellos.

Como será o desfile?

1º SETOR

Com uma abertura toda azul e amarela, o Paraíso do Tuiuti trará um abre-alas gigantesco. São dois carros acoplados “puxados” por dois rinocerontes articulados, feitos pelo pessoal de Parintins. Segundo o carnavalesco, será o quilombo Tuiuti na Avenida.

“No primeiro setor, a gente vai abrir com o conceito de quilombo. Só há quilombo, onde há exploração, onde há resistência. Então, a gente faz uma analogia do quilombo com o conceito de comunidade, no caso da Tuiuti”.

2º SETOR

O desfile terá, no segundo setor, a escravidão nos tempos mais remotos: “A gente dá um passeio rápido pelas civilizações antigas e como elas usavam o trabalho escravo”, contou Jack.

Produção no barracão do Tuiuti está a todo vapor. Foto: João Carlos Martins.

3º SETOR

A terceira parte do desfile apresentará o carro preferido do carnavalesco: um navio negreiro conceitual, que mistura a estética de um navio com um prisão. “Não é uma reprodução de um navio negreiro. É navio e não é”, explicou Jack, que criou o carro para simbolizar a maior escravidão da história.

“No terceiro setor, falamos de África, que é o surgimento e o crescimento desse grande mercado de escravos africanos, que foi o maior da história da humanidade”.

4º SETOR

A escravidão no Brasil começa a ser tratada a partir desse ponto. “Nesse setor, nós falamos do uso dos escravos no Brasil e como eles chegaram aqui. Abordamos os ciclos econômicos que eles sustentaram”, afirmou o carnavalesco.

5º SETOR

A abolição da escravatura pela Lei Áurea é representada na quinta parte e ilustrada por um tripé. “Temos um setor falando sobre a luta abolicionista até a chegada da Lei Áurea, que foi assinada não por uma questão humanitária, mas sim por uma questão econômica”, contou Jack Vasconcellos.

6º SETOR

“No último setor, são as consequências dessa abolição feita de forma não planejada, porque não houve uma política de inserção do negro na sociedade de uma forma igualitária. Então, a gente sofre as consequências disso até hoje”, explicou o carnavalesco.

A maior crítica da escola ficou reservada para o final. A última alegoria será um navio negreiro atual e trará o presidente Michel Temer representado por um vampiro do neoliberalismo em cima de um saco de dinheiro.

“É um ‘neotumbeiro’. A gente atualiza o navio negreiro com os trabalhadores no lugar dos escravos. O carro é dividido em dois andares. No nível superior, está a classe dominante e mais abastada. No nível inferior, fica a classe mais pobre, que ainda serve de mão de obra para a manutenção desse grande esquema de exploração de trabalho”.

Escultores trabalham no 4º andar do barracão do Tuiuti. Foto: João Carlos Martins.

Acompanhe a série ‘Barracões SRzd’

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