A sombra do herói: o luto e o silêncio no samba, por Aloy Jupiara

Luizinho Drumond. Foto: Henrique Matos

Por Aloy Jupiara

A morte de Luiz Drumond, presidente da Imperatriz Leopoldinense, é mais um ato no rito de passagem do poder não só nas escolas de samba, mas no jogo do bicho. O fato é que a geração de bicheiros que tomou as agremiações a partir do fim dos anos 60 e nos anos 70 chegou a uma idade avançada. A era de sucessão já é o presente, não o futuro, seja no comando da burocracia das escolas, seja na gestão de negócios como as máquinas de caça-níquel. A questão aqui não é o papel de Luizinho e dos bicheiros no carnaval, mas o papel na cidade, que é muito mais amplo e, não se pode negar, passou e passa pela contravenção e o crime organizado. Se as duas coisas fossem excludentes, se fossem duas vidas separadas, um obituário jamais citaria a prisão dos bicheiros – Luizinho, entre eles – por decisão corajosa da juíza Denise Frossard, em maio de 1993.

Não foi apenas Luizinho, como dito acima. Foram 14 bicheiros condenados e presos por formação de quadrilha, incluindo Anísio, Capitão Guimarães, Miro, Maninho, Castor de Andrade, Turcão e outros. Eliminar isso da biografia, tratá-la apenas como uma peça do carnaval do Sambódromo e das quadras, é não entender a cidade. O bicheiro pode ser amado por sambistas, não por todos (há desafetos, sempre), mas sua história não se extingue ali. A complexidade dessas personalidades, se for reduzida a de uma entidade do carnaval, empobrece e mancha a história da cidade, principalmente no momento em que a parte extirpada é a das sombras, e se começa a construção do herói. Isso não significa desrespeitar o sofrimento de suas famílias, de seus amigos, de seus carnavalescos, mas simplifica indevidamente a história biografá-lo como o “construtor” de uma escola e ponto. Ou biografá-los asssim: mecenas da folia acima de qualquer suspeita (ou mais que suspeita, pois houve condenação por crimes).

Bicheiros famosos do Rio de Janeiro. Foto: Reprodução

Para falar do jogo do bicho sem se fixar no episódio da prisão em 1993, vale lembrar o estouro da da fortaleza de Castor de Andrade, onde foram encontrar listas de propinas a policiais e políticos, em 1994, e a Operação Furacão, levada a cabo pelo Ministério Público Federal (MPF) e pela Polícia Federal (PF), em 2007, que apontou corrupção ativa e lavagem de dinheiro, prendeu um desembargador, e condenou Anísio, Guimarães e Turcão.Ou, indo mais atrás, relembrar o envolvimento de boa parte deles com torturadores dos porões do regime militar, que viraram seus seguranças, gerentes ou até mesmo integrantes da cúpula da jogatina.

Achar que a festa, a folia carnavalesca, exclui o crime em parte de suas engrenagens, é ignorar a guerra nas ruas travadas neste momento pela sucessão dos negócios, o espólio de Miro e Maninho (assassinado, assim com seu filho, Mirinho, e seu irmão, Bid). Uma guerra que se estende a interesses pelo domínio do Salgueiro, por exemplo, e que não está nada longe de envolver milicianos.

Por que falar disso agora, no momento do luto? A pergunta devia ser: por que não falar? O outra ainda: Por que calar? Nesse mundo do carnaval, não se pede apenas um minuto de silêncio por respeito à dor. O silêncio é a regra, mesmo quando quebrado na Avenida pela alegria do som das baterias.

O que os sucessores farão com a sua herança é uma nova história a ser contada.

Sobre o autor

Jornalista e escritor, Aloy Jupiara é autor do livro “Os porões da contravenção: Jogo do bicho e Ditadura Militar – a história da aliança que profissionalizou o crime organizado”, em parceria com Chico Otávio. Jupiara também integra o júri do Estandarte de Ouro, prêmio oferecido pelo jornal O Globo aos melhores do Carnaval.

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