2017: As coincidências do Carnaval mais macabro da história

Salgueiro. Foto: Riotur

Salgueiro. Foto: Riotur

O Carnaval de 2017 foi o mais macabro da história. Não é comum uma sequência de acidentes tão graves, com sequelas físicas jamais vistas. Temos o dever de buscar explicações racionais para tudo o que aconteceu.

Um carro alegórico desgovernado, uma porta-bandeira que cai por causa de uma perna que não resiste ao seu peso e o assoalho de um veículo ornamental que simplesmente desaba com componentes em cima. Tudo isso tem que ter explicação. Até mesmo para evitar que algo semelhante se repita no futuro.

Os laudos técnicos darão seus vereditos científicos. Sob a ótica da fé, tudo é mais complicado.

Peguemos o sacrifício de dois  personagens históricos em que – para explicar as mortes –  tivemos de um lado a técnica criminal e, do outro, a crendice.  Veja as assombrosas coincidências das biografias dos presidentes John Kennedy e Abraham Lincoln.

– Abraham Lincoln foi eleito para o Congresso em 1846. John F. Kennedy foi eleito para o Congresso em 1946. Lincoln foi eleito presidente em 1860. Kennedy foi eleito para presidente em 1960.

– Ambos estavam comprometidos com os direitos civis. As esposas de ambos perderam filhos enquanto estavam na Casa Branca.

– A secretária de Lincoln chamava-se Kennedy. A secretária de Kennedy chamava-se Lincoln.

– Os nomes Lincoln e Kennedy têm 7 letras cada um. Ambos os presidentes foram baleados na cabeça.

– Lincoln foi morto na sala Ford, do teatro Kennedy. Kennedy foi morto num carro Ford, modelo Lincoln.

– Ambos os presidentes foram assassinados por sulistas. Ambos os presidentes foram sucedidos por sulistas. Ambos os sucessores se chamavam Johnson.

– Andrew Johnson, que sucedeu Lincoln, nasceu em 1808. Lyndon Johnson, que sucedeu Kennedy, nasceu em 1908.

– John Wilkes Booth, que assassinou Lincoln, nasceu em 1839. Lee Harvey Oswald, que assassinou Kennedy, nasceu em 1939. Ambos os assassinos eram conhecidos pelos seus 3 nomes. Os nomes de ambos têm 15 letras.

– Booth saiu correndo de um teatro e foi apanhado em um depósito. Oswald saiu correndo de um depósito e foi apanhado em um teatro. Ambos foram assassinados antes de seus julgamentos.

– Antes de ser morto, Lincoln esteve em Monroe, Maryland. Antes de ser morto, Kennedy esteve com Marylin Monroe.

Mas o que estas coincidências têm a ver com o Carnaval 2017? Nada. São apenas capítulos de mistério.

Vamos lá:

Domingo, 25 de fevereiro de 2017. Ensaio técnico.

O Salgueiro treinou seu desfile sob inspiração do enredo “A Divina Comédia do Carnaval”, assinado por Márcia e Renato Lage. Como tudo o que esta brilhante dupla faz, a história foi contada convincentemente no desfile oficial. Eles sempre sabem o que estão fazendo. A comissão de frente, já no ensaio, perseguia o propósito oficial: “A intenção é soltar as feras que se ocultam no dia a dia em busca da profana liberdade, manifestada com todo o vigor nos tempos de folia”.

O Salgueiro do ensaio estava repleto de chifres, vermelho inferno e um figurino distante da suavidade dos anjos. Não tinham espaço ali para querubins. No desfile, aí sim, deu para ver os diabos de todo tipo, em indumentárias, carros alegóricos e outras peças. A sensação foi de que o céu abriu de uma forma diferente. O desfile foi uma bela provação artística. E os artistas servem justamente para isso, para provocar.

Sábado, 25 de fevereiro de 2017. Série A.

A primeira porta-bandeira da Unidos de Padre Miguel, Jéssica Ferreira, protagoniza uma das mais angustiantes cenas de dor a céu aberto. A tragédia se abateu justamente sobre a artista identificada com a leveza poética conjugada à honra de carregar o pavilhão da sua escola. Ela tombou diante dos jurados.

Inesperadamente, ela teve que ser retirada do desfile após cair no chão durante sua apresentação. Chorando muito de dor, foi carregada e aplaudida ao deixar a Sapucaí. Os médicos diagnosticaram entorse no joelho esquerdo.

Acidente com Jéssica do Carmo. Foto: Reprodução TV Globo
Acidente com Jéssica Ferreira. Foto: Reprodução TV Globo

Fomos ver que personagem Jéssica encarnava. Ela representava Ossain, um orixá, senhor da vegetação, como Omulu, manca ou não tem uma perna.

De acordo com a bibliografia pesquisada, trata-se de um força “profundamente relacionada com a cabaça – que representa a matriz cósmica, onde guarda suas folhas e seu poder”. O símbolo das feiticeiras é uma cabaça.

Ossain é um orixá da medicina que tem como propósito curar doentes. Em algumas anotações lendárias, conta-se que a perna débil de Ossain é a esquerda.

 

Domingo, 26 de fevereiro de 2017. Primeiro dia do Grupo Especial.

O Carnaval do Grupo Especial começa com o desfile do Paraíso do Tuiuti. A escola veio leve, colorida, solar, parecia a Ilha do Governador dos velhos tempos. Nada infernal, ao contrário, infantil, pura, apesar de sua temática ser o tropicalismo psicodélico.

Quiseram os deuses ocultos da folia que fosse justamente o “Paraíso” que sentisse a fogueira do demo. Um acidente com seu carro alegórico descontrolado fere 20 pessoas, três com gravidade. Pesquisamos a escola inteira, nenhuma relação esotérica, salvo um pequeno detalhe da sinopse.

No resumo do que seria o desfile assinado por Jack Vasconcellos, onde abaixo do seu nome está escrito “em Rio de Janeiro, ano 460 da deglutição (ingerir, engolir) do Bispo Sardinha”, está escrito: “E no jardim, os urubus passeiam a tarde inteira entre os girassóis. Eles põem os olhos grandes sobre mim. Aqui, meu pânico e glória. Aqui, meu laço e cadeia. Mamãe, mamãe, não chore. A vida é assim mesmo. Eu quis cantar minha canção iluminada de sol”.

Os diabos soltos do Salgueiro, a perna esquerda sacrificada de Ossain e os urubus do Tuiuti não eram bons prenúncios. Foi um início de festa triste.

Segunda, 27 de fevereiro de 2017. Segundo dia do Grupo Especial.

A Unidos da Tijuca pisou na Avenida otimista até por causa do seu enredo contemporâneo: “Música na Alma, Inspiração de uma Nação”. O que ninguém poderia imaginar é que mais um acidente de grandes proporções paralisaria a escola. Perplexidade.

Um andar superior inteiro do carro alegórico foi engolfado e todos que ali estavam despencaram. Mais gente machucada. Mas o que poderíamos dizer senão negligência da engenharia e direção? Colocamos uma lupa e fomos ver de perto.

Um vídeo mostra a alteração do volume de vento causada pelo helicóptero da Globo sobrevoando o local para mostrar as imagens do acidente. Este movimento da aeronave, segundo a escola, prejudicou a performance do primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira, Julinho e Rute Alves.

Alguns viram ali um triângulo: helicóptero no alto, pousado num dos vértices, e o casal e o carro do acidente, bem ao lado, formando as bases. Os três pontos do triângulo se referem aos três aspectos de Hekate, sendo o ponto de encontro para os espíritos, geralmente simbolizado pelas encruzilhadas.

Esta especulação é frágil. Continuamos estudando o caso, como se fôssemos um detetive dos romances de Agatha Christie. E chegamos a outro elemento interessante.

A fantasia do primeiro casal faz menção ao rito, aos signos, mistérios, magias curativas e a crença dos adeptos ao “voodoo” – prática da cultura religiosa de Nova Orleans. Repare na fantasia de Rute Alves e veja as caveiras cravejadas na linda indumentária. No barracão da escola, uma coreógrafa incomodada com aquela fantasia, algumas vezes, chegou a dizer alto para quem quisesse ouvir: “voodoo, mas voodoo do bem”.

 

Rute e Julinho. Foto: Henrique Matos
Rute e Julinho. Foto: Henrique Matos

Como fé é uma expressão traduzida num sentimento individual – mas que também pode ser coletivo –  pode-se acreditar ou não em coincidências. Ou mesmo optar apenas pela razão e suas explicações lógicas, mas logo haverá alguém que dirá o velho provérbio espanhol para explicar o Carnaval mais macabro da história: “Yo no creo en brujas, pero que las hay, las hay”.

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