Racismo e ostentação: o comportamento dos mais ricos nos jogos universitários

Millionarios é o nome da torcida rica da PUC-Rio nos Jogos de Comunicação. Foto: Reprodução

Casca de banana em atletas negros, faixa de “millonarios”, notas de 100 reais e representação de macacos foram alguns dos comportamentos de torcedores das atléticas das universidades mais caras do país no último fim de semana. De quinta (31) a domingo (3), as cidades de Petrópolis, Vassouras e Nova Friburgo receberam, respectivamente, os Jogos Jurídicos (JJ), Jogos Universitários de Comunicação Social (JUCS) e Humaníadas, eventos que reúnem faculdades públicas e privadas em prol do esporte e da integração, fato que nem sempre ocorre da maneira desejada.

Nos Jurídicos, por exemplo, a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, PUC-Rio, uma das faculdades privadas mais ricas e bem conceituadas, protagonizou, por três vezes, situações de racismo. A primeira delas foi no sábado (2), após a partida de futebol, quando uma integrante da torcida arremessou casca de banana em um atleta negro da Universidade Católica de Petrópolis, UCP. No dia seguinte, o crime voltou a ocorrer depois da final do basquete masculino: torcedores da PUC-Rio imitaram macacos diante de torcedores negros da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Uerj. Mais tarde, estudantes da mesma universidade chamaram uma atleta de handebol da Universidade Federal Fluminense, UFF, de macaca.

Estudante da UCP mostra a casca de banana arremessada por estudantes da PUC-Rio. Foto: Reprodução

Olha o meu rosto, você acha mesmo que eu vou ser presa?

“Diante do racismo, evidentemente os alunos da UERJ ficaram revoltados. Nisso, uma menina da PUC vira para a gente e diz: ‘Olha o meu rosto, você acha mesmo que eu vou ser presa?’. Muito entristecedor estar tão próximo de um caso explícito de racismo”, publicou um estudante de Direito da Uerj em rede social.

Em nota, a Atlética de Direito PUC-Rio informou que “é contra qualquer tipo de atitude discriminatória, de qualquer espécie, e com qualquer pessoa” e que “não aceita esse tipo de comportamento e lutará contra isso”. A universidade também divulgou uma nota de repúdio pelo caso e prometeu a formação de uma Comissão Disciplinar para averiguar as informações. A Liga Jurídica Estadual do Rio de Janeiro, organizadora dos JJ, baniu a PUC-Rio do evento em 2019 e retirou o título conquistado pela delegação neste ano.

Delegação da PUC-Rio comemora título, agora retirado, nos Jogos Jurídicos. Foto: Reprodução

Já no JUCS, se não houve racismo, teve ostentação por parte de integrantes da PUC-Rio e da Escola Superior de Propaganda e Marketing, ESPM. Dentre as nove faculdades participantes dos jogos, as duas citadas apresentam as maiores mensalidades e seus alunos se orgulham disso. Notas de 100 reais com a cara do mascote da atlética viram adereços da torcida azul e branca da ESPM. Em caso de vitória, as notas são lançadas para o ar em clima de riqueza. Do lado da PUC-Rio, os integrantes levaram uma enorme faixa com o nome da torcida: “Millonarios”.

Meus pais ficam no vermelho todo mês para poder pagar a ESPM

Notas de 100 reais são adereços da torcida da ESPM no JUCS. Foto: SRzd

“Eu fico lá segurando essas notas, mas me sinto até mal, porque no meu bolso não tem nem 10 reais (risos)”, brincou um aluno bolsista da ESPM que mora na Baixada Fluminense. “Eu tentei passar para a UFRJ e não consegui. Meus pais às vezes ficam no vermelho para poder pagar a ESPM”, contou outra estudante da Escola.

Passo férias na Europa e você em Cabo Frio

Os entrevistados, no entanto, são exceção em meio à alta condição financeira dos estudantes das duas faculdades. Em uma das músicas da torcida da PUC-Rio, os integrantes cantam: “Eu ando de Ferrari e você de Renault Clio. Passo férias na Europa e você em Cabo Frio. Uh, PUC-Rio! Uh, PUC-Rio!”. “Meu pai vai demitir seu pai” e “O seu pai é meu porteiro ÔôÔôÔ” também são cantadas pelos torcedores em clima de provocação.

Leia a nota da organização dos Jogos Jurídicos a respeito dos casos de racismo:

“A Liga Jurídica Estadual do Rio de Janeiro vem a público manifestar-se sobre os três episódios de injúria racial cometidos durante a edição dos Jogos Jurídicos Estaduais de 2018 ,em Petrópolis/RJ.

No sábado, depois da partida futebol entre PUC-Rio e UCP, uma integrante da torcida da PUC jogou uma casca de banana na direção de um atleta negro da UCP.

No domingo, após a final do basquete masculino entre PUC-Rio e UERJ, integrantes da torcida da PUC-Rio imitaram macacos diante dos torcedores negros da UERJ e, mais tarde, torcedores da PUC-Rio, novamente, chamaram uma atleta de handebol da UFF de macaca.

A Liga repudia veementemente os atos praticados, porém, diante da gravidade dos fatos relatados, tem consciência de que repudiar não é suficiente.

Portanto, em reunião extraordinária realizada na madrugada de segunda-feira, em conjunto com o movimento Jogos Sem Racismo, a Liga decidiu, por unanimidade, acatar a sugestão de penalidades encaminhadas pelo movimento a serem aplicadas à PUC-Rio, de acordo com os artigos 33 e 34 do Estatuto da Liga.

As punições são as seguintes:

1. A PUC-Rio, que havia terminado a competição com o maior número de pontos da competição pela primeira vez, foi punida com a perda de 12 pontos, sem, contudo, retirar os resultados esportivos das equipes e das modalidades individuais, em respeito aos atletas;
2. Excetuando-se as competições em que os seus atletas já estão inscritos, a PUC-Rio não poderá participar de quaisquer competições ao longo de 2018; e
3. A PUC-Rio não participará dos Jogos Jurídicos Estaduais do Rio de Janeiro em 2019.

A Liga e o movimento Jogos Sem Racismo decidiram também que, diante dos atos praticados, a edição de 2018, não consagrará nenhuma faculdade participante como campeã geral, mantendo-se apenas os resultados das modalidades em respeito aos atletas participantes.

A atlética da PUC-Rio se comprometeu a colaborar com a identificação dos agressores e prestar auxílio jurídico às vítimas dos crimes cometidos.

Por fim, a Liga se compromete a criar canais de comunicação e diálogo com o movimento Jogos Sem Racismo e os coletivos negros de cada faculdade a fim de que o período de suspensão da PUC-Rio seja um ano de trabalho intenso de didática antirracista a fim de que casos como os ocorridos nos últimos jogos não se repitam e os jogos se tornem mais inclusivos para todos os atletas e torcedores negros de todas as faculdades participantes.”

Leia a nota da PUC-Rio:

“Após tomar conhecimento, pelas redes sociais, de informações sobre atos de racismo possivelmente ocorridos durante os jogos jurídicos, a Vice-Reitoria para Assuntos Comunitários e o Departamento de Direito da PUC-Rio decidiram constituir Comissão Disciplinar para averiguação das informações e, caso confirmada a veracidade, a apuração e individualização das responsabilidades de membros do corpo discente. A Comissão Disciplinar será composta pelos professores Breno Melaragno, professor de Direito Penal, Job Gomes, professor de Direito do Trabalho e de Direito Desportivo, e Thula Pires, coordenadora do NIREMA (Núcleo Interdisciplinar de Reflexão e Memória Afrodescendente) e professora de Direito Constitucional, e terá prazo de quinze dias para elaboração de relatório.

Permanecemos fieis ao pioneirismo na promoção da diversidade e da igualdade racial, pois foi a PUC-Rio o berço dos pré-vestibulares comunitários para negros e carentes, a primeira instituição particular brasileira a instituir política de acesso e permanência de alunos negros e carentes, mediante concessão de bolsas de estudo, auxílio financeiro para custeio de despesas de alunos bolsistas, por meio do programa FESP (Fundo Emergencial de Solidariedade da PUC-Rio) e a primeira instituição a oferecer disciplina na graduação sobre ações afirmativas.

Aproveitamos a oportunidade para reiterar o compromisso da PUC-Rio com os princípios que constituem nossa missão pedagógica e cidadã. Com base nesses princípios, acreditamos que o racismo, violência que ainda corrói a sociedade brasileira, deve ser enfrentado por medidas repressivas e inclusivas. Não tergiversamos em combater qualquer forma de manifestação de racismo por meio de punições disciplinares e preservaremos o esforço de contínua melhoria das políticas de promoção da diversidade e da igualdade racial em nossa Universidade.

Professor Augusto Sampaio
Vice-Reitor Comunitário da PUC-Rio
Professor Francisco de Guimaraens
Diretor do Departamento de Direito da PUC-Rio”

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