Cheryl Berno. Foto: Acervo pessoal

Cheryl Berno

Advogada, Consultora, Palestrante e Professora. Especialista em direito empresarial, tributário, compliance e Sistema S. Sócia da Berno Sociedade de Advocacia. Mestre em Direito Econômico e Social pela PUCPR, Pós-Graduada em Direito Tributário e Processual Tributário e em Direito Comunitário e do Mercosul, Professora de Pós-Graduação em Direito e Negócios da FGV e da A Vez do Mestre Cândido Mendes. Conselheira da Associação Comercial do Estado do Rio de Janeiro.

Pezão revoga leis aprovadas pela Assembleia Legislativa do Estado

Teoricamente o Estado Democrático de Direito se sustenta na separação dos poderes entre legislativo, executivo e judiciário. O legislativo faz as leis, o executivo as executa e o judiciário as julga, sempre fazendo cumprir a Lei Maior, a Constituição Federal, em última instância. Mas, o povo brasileiro tem visto de tudo, e deve estar bem confuso. O grande Montesquieu, político, filósofo e criador da teoria, deve estar se revirando na tumba com tanta intromissão de um poder no outro.

Não bastasse o judiciário “fazendo” até leis “constitucionais”, que seriam prerrogativas dos constituintes originários, agora até o executivo estadual tem suspendido lei por decreto, esse um ato do próprio Governador, que deveria sempre estar de acordo com a lei e a Constituição. E, pasmem, baseado em parecer de inconstitucionalidade da Procuradoria Estadual, que é órgão do próprio executivo. Esses pareceres deveriam estar disponíveis no sítio da Procuradoria na Internet, mas ao menos até o fechamento desta matéria, não foi possível encontra-los, como previsto nos decretos.

Ano passado o Governador Pezão já havia suspendido o cumprimento da Lei nº 7.718/17, que permite a realização de vistoria veicular mesmo sem o pagamento do IPVA – depois, pressionado pelos deputados, revogou a própria medida. Hoje, 10/5, o Decreto nº 46.308 determinou a “não aplicação” da Lei que concede uma licença especial para servidora estadual que for mãe de bebê prematuro e pelo Decreto nº 46.309 suspendeu a Lei nº 6.826, que majorou os vencimentos-base dos servidores públicos titulares de cargos de provimento efetivo da estrutura do Instituto Estadual de Engenharia e Arquitetura – IEEA.

Em matéria tributária utiliza-se um decreto para que os auditores fiscais possam fazer autuações de ICMS, porque o próprio executivo considera inconstitucionais incentivos fiscais dados por outros estados, embora não tenha ajuizado a ação própria, uma direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal -STF, para que a Corte competente afastasse a lei.

E provável que para a Procuradoria Estadual dar parecer pela inconstitucionalidade que as leis possam ter mesmo algum vício, mas toda lei presume-se válida até que o poder judiciário, que tem esta competência, a afaste. Havendo a intenção de suspender uma lei que acredita-se inconstitucional, e parece que há, o caminho é o judiciário, que como todos viram nos últimos julgamentos famosos transmitidos pelas televisões de todo o Brasil, já tem divergências suficientes entre si. Os próprios juízes têm dúvidas da interpretação correta de uma mesma lei, que pode ser bem simples como a que diz que que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Trânsito em julgado, ao menos até o pronunciamento deste colegiado do STF, era a decisão que não comportava mais recurso. Agora paira a dúvida, até porque a Ministra Rosa disse que votaria contra o seu próprio entendimento naquela oportunidade, deixando assim a questão em aberto, para um novo julgamento de uma ação mais ampla que o “Habeas Corpus” do ex-Presidente Lula.

Como já ensinava o grande Norberto Bobbio, em sua clássica obra, o Futuro da Democracia – Uma Defesa das Regras do Jogo: “a minha preferência vai para o governo das leis, não para o governo dos homens. O governo das leis celebra hoje o próprio triunfo na democracia. E o que é a democracia se não um conjunto de regras (as chamadas regras do jogo) para a solução dos conflitos sem derramamento de sangue? E em que consiste o bom governo democrático se não, acima de tudo no rigoroso respeito a estas regras? Pessoalmente, não tenho dúvidas sobre a resposta a estas questões. E exatamente porque não tenho dúvidas, posso concluir tranquilamente que a democracia é o governo das leis por excelência. No momento mesmo em que um regime democrático perde de vista seu princípio inspirador, degenera rapidamente em seu contrário, numa das tantas formas de governo autocrático de que estão repletas as narrações dos historiadores e as reflexões dos escritores políticos”.

É perigoso e preocupante que os poderes no Brasil estejam extrapolando as suas funções, isto causa desequilíbrio e gera insegurança jurídica. Cada macaco no seu galho, seria mais saudável para uma democracia, que ainda que ruim, é melhor que qualquer ditadura. Espera-se que a harmonia seja restabelecida, inclusive no que tange ao respeito pelo povo e, principalmente, pela sua decisão nas urnas, mesmo que pessoalmente a escolha popular não nos agrade muito. A lei que não protege os nossos inimigos não pode nos proteger e segurança jurídica é sempre o melhor caminho para o crescimento de uma nação.

 

Veja no Diário Oficial os Decretos que suspenderam as leis:

http://www.ioerj.com.br/portal/modules/conteudoonline/mostra_edicao.php?session=VFZSVk0xSlVVa0pOUkVGMFRtcGpORkpwTURCU1ZGSkVURlZGTkU1cVNYUlJNRWwzVDBSQmVrMTZRa0pPVlUxNVRWUlZlVTVxUVhkTlZFMDBUbmM5UFE9PQ==

Pareceres da Procuradoria Geral do Estado:

https://www.pge.rj.gov.br/entendimentos/pareceres

 

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