Indústria: o que Brasília precisa saber sobre “defesa comercial”

Produção industrial. Foto: Divulgação

Conforme notícia publicada em 18 de abril de 2017 no jornal Valor Econômico, intitulada “Governo estuda revisão da política antidumping”, o secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, Marcello Estevão, afirmou que as medidas de defesa comercial prejudicam o país, configurando uma situação, em suas palavras, “bizarra”.

O secretário afirmou não compreender a ideia de que essas medidas sejam necessárias para proteger empregos e apontou que elas reduzem a transferência de tecnologia ao país. Ainda segundo o secretário, o Brasil precisa mudar suas políticas comerciais, pois o fechamento da economia brasileira é um escândalo, sendo o Brasil a 4ª economia mais fechada do mundo, com proporção do comércio de apenas 27,4% do PIB.

 

A Defesa Comercial foi desenvolvida, aprovada e regulamentada pelos 164 membros da Organização Mundial do Comércio (OMC) a fim de eliminar práticas desleais de comércio.

 

Claramente este entendimento está confuso. A Defesa Comercial foi desenvolvida, aprovada e regulamentada pelos 164 membros da Organização Mundial do Comércio (OMC) a fim de eliminar práticas desleais de comércio. Muito contrariamente à interpretação do secretário, o próprio estabelecimento dos mecanismos de defesa comercial teve como objetivo maior o aprofundamento da liberalização comercial, garantindo aos membros participantes segurança para abrirem suas economias, sabendo que teriam instrumentos para conter surtos de importação decorrentes de práticas desleais de comércio (dumping e subsídios) ou de eventual necessidade de medida temporária para aumento de competitividade (salvaguardas).

Não por outro motivo, a aplicação de uma medida de defesa comercial é exceção à regra, sendo permitida apenas após análise criteriosa e embasada em fatos pela autoridade investigadora e que comprove a existência de dano ou ameaça de dano, do nexo causal entre este dano e as importações analisadas e da prática desleal (no caso do dumping e dos subsídios) ou da necessidade de ajuste competitivo (no caso das salvaguardas).

Portanto, a aplicação de direitos antidumping ou medidas compensatórias visam apenas eliminar as distorções comprovadas durante a investigação, de forma alguma podendo ser entendidas como medidas protecionistas. No caso brasileiro, em especial, a investigação é conduzida pelo DECOM – Departamento de Defesa Comercial, órgão de respeito reconhecido internacionalmente, justamente por seguir à risca a norma da OMC.

No contexto de uma política comercial, não se pode menosprezar o papel da indústria

Além disso, no contexto de uma política comercial, não se pode menosprezar o papel da indústria. Em nosso país, a indústria é fundamental para o desenvolvimento da economia, gerando melhores empregos (a título exemplificativo, conforme dados divulgados pela Firjan, 87% dos empregos na indústria são de carteira assinada, enquanto que, na agricultura, tal percentual é de apenas 45%). Por outro lado, a alíquota média de tributos da indústria é 47%, ao passo que na agricultura é de 6,5%.

A indústria brasileira enfrenta altíssima carga de impostos, complexas e custosas regras tributárias, além de depender de uma infraestrutura precária, com grande parte do escoamento sendo feito por rodovias, muitas vezes em péssimas condições, enquanto nossos principais concorrentes escoam seus produtos por ferrovias.

Apesar do desenvolvimento em nossos portos, o custo e tempo gasto no Brasil é muito superior aos nossos concorrentes. E os tão necessários investimentos e obras para aumentar a competitividade da indústria e do país são, como temos visto, muitas vezes desviados para caixas 2 e para a corrupção. Neste cenário, considerar que a culpa é da indústria, que estaria sendo “indevidamente protegida” pelas medidas de defesa comercial, isso, sim, é bizarro.

Ademais, vale notar que, na sua grande maioria, os direitos antidumping não têm impacto sobre a competitividade, pois justamente não aumentam significativamente os custos dos produtos finais. Apenas como exemplos, vamos citar dois casos de produtos sobre cujas importações são aplicadas medidas de defesa comercial para algumas origens.

Considerar que a culpa é da indústria, que estaria sendo “indevidamente protegida” pelas medidas de defesa comercial, isso, sim, é bizarro.

Saco de juta: trata-se de produto regional, cuja cadeia emprega dezenas de milhares de famílias ribeirinhas no estado do Amazonas na colheita da malta, matéria-prima para a fabricação do saco, utilizado na exportação de café para o mundo. O preço de um saco de juta é em torno de R$ 4,50, enquanto que o preço do saco de café com 60 quilos de café é de aproximadamente R$ 450,00. Logo, o preço do saco de juta representa aproximadamente 1% do preço final do café, irrelevante para o produtor de café, mas fundamental à indústria produtora do saco de juta e, consequentemente, fundamental às dezenas de milhares de pessoas que trabalham na ribeirinha dos rios.

Aço Inoxidável: produto siderúrgico utilizado em diversos setores da economia. O preço internacional do aço de grau 430 é em torno de US$ 1.100/t., preço de Hong Kong, um dos principais locais de negociação deste tipo de material. Uma colher de chá de aço inoxidável é feita 100% de aço inoxidável e pesa em torno de 12 gramas. O custo do aço inoxidável contido nessa peça é, portanto, de R$ 0,04, frente a um preço aproximado de R$ 0,66/peça, conforme dados disponíveis na internet. Ou seja, o preço do inox é irrisório no preço do produto final.

Por fim, mas não menos importante, deve-se lembrar que a medida de defesa comercial apenas corrige os preços distorcidos pela prática desleal e apenas para aquelas origens onde se verificou tal prática. Neste sentido, deve-se considerar que a aplicação de medida de defesa comercial é prospectiva, não compensando a indústria pelo período no qual sofreu dano, com perda de vendas e de rentabilidade, muitas vezes amargando prejuízos. Portanto, a correção de preços apenas retoma o nível correto de competitividade da indústria jusante, que anteriormente apresentava um falso nível de competitividade decorrente de prática desleal nas importações de produtos intermediários.

Enfim, as afirmações do secretário, portanto, são no mínimo infelizes, pois, além de incorretas, são completamente fora de contexto. A indústria, embora maltratada por vários governos, segue sendo um setor fundamental, como em todos os países, para as pretensões de sair da crise e gerar renda, empregos e desenvolvimento econômico e social.

Este artigo é de autoria de José Ricardo Bernardo, Josefina Guedes e Marcos Imamura

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